Crônica – Homem de Preto.

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Fonte foto – Wikipédia, a enciclopédia livre.

Valter Aleixo

Por Valter Aleixo.

Em meados de 1974 tentei ir para os Estados Unidos através da escola de inglês Fisk. Seria um estágio de apenas um mês. Infelizmente não deu certo: o custo era alto e os meus pais não tinham dinheiro para me mandar para outro país. E, mais ainda: o prazo era muito curto e eu certamente não iria ter grandes benefícios com aquilo.

Apesar da minha frustração, me convenceram que seria melhor esperar por uma outra oportunidade, quando talvez a nossa situação financeira estivesse melhor, e que o programa fosse mais extensivo. Vários meses depois, descobri que o Instituto de Idiomas Yázigi, no centro de Goiânia, oferecia estágios nos Estados Unidos por seis e nove meses. Achei perfeito e transferi os meus estudos de inglês para lá.

Em março de 1975, comecei a estudar no Yázigi. E, em julho daquele mesmo ano, consegui, finalmente, a cobiçada bolsa de estudos para ir estudar numa escola em Buffalo, Nova Iorque, através da International Fellowship, companhia americana coordenadora de intercâmbio cultural, com sede em Nova Iorque também.

Na minha euforia, acabei mandando o documento oficial da International Fellowship, para os meus pais em Paraíso do Norte, Goiás, para que soubessem que tinha sido aceito. Estava feliz e queria compartilhar aquele momento especial. Aquilo era algo que realmente queria fazer. Esperava que, indo estudar nos Estados Unidos eu, eventualmente, teria uma boa profissão e, consequentemente, poderia ajudar a minha família a ter uma vida mais digna e melhor. Aquela era a minha grande oportunidade.

Fonte foto – Wikipédia, a enciclopédia livre – Paraíso do Tocantins – Avenida Bernado Sayão.

Um dia antes de buscar o visto de estudante em Brasília, os organizadores do programa do Yázigi pediram pelo comprovante de aceitação da International Felllowship, para juntarem aos outros documentos exigidos pela Embaixada Americana, pois sairiam cedo para Brasília. Entrei em pânico! Aquele documento estava a oitocentos quilômetros de Goiânia!

E, conhecendo bem os meus pais, sabia que jamais encontrariam o documento que lhes havia mandado. Pânico outra vez. Era quase certo que aquele documento já havia sido rasgado, jogado fora ou colocado num lugar que não poderiam encontrar.

Minha oportunidade de ir para os Estados Unidos estava seriamente ameaçada.

Fonte foto – Wikipédia, a enciclopédia livre.

Mesmo que o documento ainda estivesse intacto, como poderia consegui-lo de volta em tão curto prazo? Primeiro, eu não tinha dinheiro para viajar de ônibus, muito menos de avião. Na realidade, voos para lá nem existiam naquela época. Segundo, mesmo que tivesse o dinheiro para a passagem de ônibus, como podia ter a certeza de que o documento ainda existia? E, não só isso: mesmo que tudo se alinhasse por algum milagre, ainda, assim, não chegaria em tempo de ir a Brasília com os organizadores do programa pela manhã.

Fiquei desesperado e via o meu sonho dissipar-se diante da minha impotência.

“Como poderia ter sido tão estúpido assim de ter mandado um documento tão importante para o Paraíso do Norte? – e para os meus pais!”, fiquei lamentando.

Fonte foto – Arquivo pessoal de Valter Aleixo

O meu futuro de estudante de intercâmbio cultural parecia estar selado: ia permanecer no Brasil e fazer a minha vida naquele lugar.

À noite, ainda tentando buscar solução para o meu dilema: talvez a Embaixada Americana poderia fazer uma exceção e aceitar uma carta da escola comprovando que eu tinha sido aceito; talvez o Yázigi pudesse pedir uma nova carta para a International Fellowship que, talvez, chegasse a tempo. Talvez, talvez…

Resignado com a minha situação, fiquei em casa, lamentando a oportunidade perdida.

Fonte foto – Arquivo pessoal de Valter Aleixo –  Valter Aleixo. 

De súbito, um homem estranho, trajando roupa e chapéu pretos, de poucas palavras, de voz baixa e penetrante, chegou na nossa casa, com uma encomenda de Paraíso do Norte. Trazia uma lata de porco em conserva de banha e uma lata de doce de mamão, que os nossos pais haviam mandado.

Agradecemos a sua gentileza e o convidamos para entrar e tomar um café. Agradeceu, mas recusou; tinha outros compromissos. Estava com pressa e se despediu.

Já ia a quase meio caminho do quintal, quando pareceu lembrar-se de algo e deu uma volta.

Fonte foto – Wikipédia, a enciclopédia livre.

“Ia me esquecendo”, disse, desculpando-se. “Me pediram que entregasse esse papel também”, mostrando algo que tirara do bolso.

Era um papel amassado, com algumas manchas de terra vermelha e portando um selo dourado em formato de estrela. Ao abri-lo completamente, sem poder acreditar, vi que era o documento de que tanto precisava! Os meus pais tiveram a lucidez de mandá-lo de volta! Quase não pude acreditar e senti faltar-me o chão debaixo dos pés! Fiquei olhando para aquele documento para certificar-me de que realmente era verdade; que tinha em mãos o ‘passaporte’ para o meu futuro. Fiquei tão feliz que me deu vontade de chorar.

Aquela foi uma das maiores surpresas da minha vida!

Fonte foto – Arquivo pessoal de Valter Aleixo – Valter Aleixo.

Quis agradecer o senhor de preto, outra vez, mas ele já ia saindo rua afora.

Meu visto de entrada para os Estados Unidos for concedido e acabei indo para o Texas, pois algo aconteceu com a família com quem ia ficar em Buffalo, Nova Iorque, e, de último momento, me encontraram outra família em Richmond, Texas. Ali, eventualmente, construiria a minha vida e viveria a maior parte dela com minha esposa e filhas.

Fonte foto – Arquivo pessoal de Valter Aleixo – Valter com sua esposa, filhas, e o genro, em Houston, Texas.

Vários anos se passaram e durante todo aquele tempo, sempre que lembrava daquele episódio, me questionava sobre o motivo que fez com que meus pais decidissem mandar aquele documento de volta para Goiânia. Aquilo não era o que normalmente fariam.

Um dia, conversando com eles na sala da casa deles, entramos no assunto da minha ida para o Texas. Minha mãe lamentava o fato de eu ter ficado longe da famíilia e meu pai dizia que eu tinha mesmo é que ir “fazer o meu pé-de-meia”. Mas ambos concordavam que aquilo tinha sido muito bom para mim.

Fonte foto – Arquivo pessoal de Valter Aleixo – Valter com seus pais e irmãos.

Aproveitei o momento para dizer-lhes que, se eles não tivessem mandado aquele famoso documento de volta para mim, nada daquilo teria acontecido; que a minha vida teria sido outra.

Contei-lhes toda a história.

Mas, para o meu espanto e incredulidade, eles não tinham a menor ideia do que eu estava falando, muito menos daquele senhor! Me explicaram que não se lembravam de nenhum documento e que, se tivessem mandado algo de Paraíso do Norte, através de alguém, com certeza, se lembrariam.

Fonte foto – Arquivo pessoal de Valter Aleixo – Valter com seu pai e sua mãe.

Até hoje, passados trinta e dois anos depois daquele episódio, continuo questionando quem era aquele homem e por que ele veio me ajudar.

Será que era um anjo; um mensageiro de Deus, ou era apenas uma pessoa qualquer a quem meus pais pediram um favor, mas que já não se lembravam mais?

Fonte foto – Arquivo pessoal de Valter Aleixo – Valter com sua mãe.

Todas as minhas perguntas parecem ser questionadas ao vento.

Talvez nunca saberei quem era. Sei apenas que, anjo ou não, ele mudou a minha vida – e a de muitos dos meus familiares e amigos, para sempre.

Fonte foto – Wikipédia, a enciclopédia livre

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Por Valter Aleixo.

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BIOGRAFIA ****** Sérgio Lima, ex-jogador profissional de futebol, natural de Campos dos Goytacazes, começou sua carreira no Americano onde jogou em todas as categorias e foi campeão Estadual no ano de 1969. Em 1970, transferiu-se para o juvenil do América do Rio, tornando-se artilheiro da Taça Guanabara de 1973 e vice-artilheiro brasileiro Carioca de 1973. Em 1974, sua história foi ilustrada luxuosamente com o Internacional de Porto Alegre, Hexa Campeão Gaúcho invicto. Em 1975, formou um excelente time do Guarani de Campinas, com grandes jogadores, Ziza, Amaral,Renato, Miranda, Davi, Alexandre Bueno, Edinaldo, Erb Rocha, Sergio Gomes, Hamilton, Rocha. que foi base do Campeão em 1978. Em 1976, transferiu-se para o futebol mexicano onde ficou por 8 anos: Club Jalísco, e Atlas Fútbol Club ambos da cidade de Guadalajara, Morélia da cidade de Morélia, Michoacan e Union de Curtidores da cidade de Leon, Guanajuato. Em 1984, retornou ao Brasil para o Botafogo do Rio. ****** Em 1985 foi contratado pelo Cabofriense, da cidade de Cabo Frio,estado do Rio, onde encerrou sua carreira. Presente em Guadalajara na Copa do Mundo 1986 no México, trabalhou como comentarista esportivo na rádio local chamada "Canal 58" de Guadalajara. Após a copa do Mundo de 1986, começou sua trajetória de 30 anos, nos Estados Unidos da América,, onde foi convidado pela Universidade de Houston Texas, através do seu responsável o excelentíssimo Professor Franco para participar como instrutor do “Cugar Soccer Summer Camp” durante duas semanas. Na sequência, depois de várias participações, em diferentes Soccer Camps no Texas, fundou, oficializou e legalizou a Brazilian Soccer Academy com o apoio espetacular do grande amigo Skip Belt. Com experiência de muitos anos dentro do campo, passou conhecimento e os fundamentos básicos do futebol do Brasil para um número incontável de jovens americanos. ****** Convidado pelo consulado Mexicano, idealizou e apresentou o projeto Houston Soccer After School Program para City of Houston Park and Recreation em 1994, para benefício de crianças e jovens entre 6 a 17 anos. Isso ocorreu na área metropolitana da cidade, onde concentrava a grande maioria de crianças e jovens negros e mexicanos, na época estavam com extremo e grande problema social que os envolvia com drogas e as abomináveis gangues. Desafio aceito, e o programa foi desenhado, aproveitando a infraestrutura dos Parks da cidade. O passo a passo foi dividido em três fases básicas: 1 - Criou-se liga em cada Park, onde havia jogos entre eles. 2 – Todos os meses havia Torneios entre todos os Parks. 3 - Criou-se seleções para jogarem contra jovens das outros áreas, e diferentes estados, sempre cuidando com os mínimos detalhes dos dispositivos e ensinamentos básicos do respeitado futebol do Brasil, para atrair e motivar a todos. O requisito principal era estar e manter boas notas e presença na escola, para desfrutar dos benefícios, recebendo gratuitamente todos os materiais de primeira linha doados por um conhecido patrocinador. Finalmente, aos 17 anos tinham a oportunidade de receber uma bolsa de estudos para ingressar em uma universidade americana. Foi apresentado e aprovado e Sérgio se transformou em funcionário público da cidade de Houston por 17 anos, até a sua aposentadoria. Muitíssimos jovens foram beneficiados pelo programa mudando radicalmente suas vidas, as drogas e gangues desapareceram. Sérgio fez o curso de treinador da Federação Americana de Futebol, recebendo a "Licença National B' e assumiu como Coach principal da South Texas Soccer Select Team Open Age From 1994 to 1996, tornando-se o primeiro treinador brasileiro e negro "Afrodescendente" a dirigir a Seleção do Sul do Estado do Texas. ****** No ano de 1992, Fundou o Jornal Vida Brasil Texas, tornou-se editor, onde ficou por 28 anos, sendo 24 anos impressos e os últimos 4 anos digital em português. Fundou em 2004, a Revista Brazilian Texas Magazine, é seu Editor . A revista até 2015 foi impressa, em 2016, passou a publicação digital em inglês. ****** 1 - Compositor, teve participação do CD Brasil Forever 1997 da Banda brasileira no criada no Texas em 1993 com finalidade de promover a cultura do Brasil. Banda “Atravessados de Houston” – Texas, com tiragem de 10 mil CDs. Sérgio Lima teve a participação com 10 músicas 8 autorais e mais duas com parcerias. 2 - Compositor da música “I Love Rio”, escrita e inglês em homenagem ao Rio de Janeiro, com a luxuosa interpretação da excelente Elicia Oliveira em ingrês (Está disponível no YouTube). https://www.youtube.com/watch?v=l39hfwOkyYU&t=18s ****** Representou a comunidade brasileira do Texas na I Conferência “Brasileiros no Mundo”, realizada em maio de 2008, com uma extrema característica acadêmica. ****** A II Conferência “Brasileiros no Mundo”, realizada em outubro 2009, se desenvolveu com uma acentuada conotação política, tornando, em certos momentos, o diálogo tenso, desconfortável e, até certo ponto, cansativo, devido à falta de elasticidade de algumas lideranças, acostumadas, creio, a pontuar e determinar o rumo das conversas e decisões, em suas áreas ou comunidades no Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, de iniciativa da Fundação Alexandre de Gusmão – FUNAG, órgão ligado ao Ministério das Relações Exteriores – MRE. ****** Sérgio criou o espaço Brasil especial na Biblioteca central da cidade de Houston e conseguiu doações de livros de algumas instituições das comunidades brasileiras de outros estados americanos para compor o espaço. Recebeu o Prêmio Brazilian International Press Ward, por 3 vezes, em reconhecimento pelos trabalhos como editor do Jornal Vida Brasil Texas em português, e revista Brazilian Texas Magazine em inglês – 2011. ****** ORIGINAL ARTICLE “AFRO DECENDENTES NA MÍDIA BRASILEIRA”. You are a winner for the 15th Annual Brazilian International PRESS AWARDS. Your outstanding performance and contribution for the Brazilian Culture was recognized by the Media and Cultural Leaders of the Brazilian Community in the United States. Join us for the 15th celebration of the Brazilian Cultural presence in the U.S. The Award Ceremony will be held at the Cinema Paradiso • Fort Lauderdale May 3rd 2012.

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