Por Profa. Ma. Luciana Dornelles Ramos.
***
Uma vez uma professora me disse “Lu, tu não vai mudar o mundo”, e aquela frase dela me deixou bem reflexiva. Ela me disse isso porque achava que eu me envolvia demais com os problemas dos alunos, diziam que era coisa de professor iniciante, que uma hora eu ia cansar. Eu não tiro totalmente a razão delas, pois realmente o professor lida com todas as negligências que recaem na escola, muitas vezes nos vemos de mãos atadas, e isso é exaustivo, mas aquela frase sobre mudar o mundo me pegou. Afinal, quem e como se muda o mundo? Paulo Freire acreditava que a Educação transforma o mundo, pois a Educação transforma as pessoas e as pessoas mudam o mundo, e eu, concordo com ele.
Quando iniciei no Magistério Público Estadual em 2015, me deparei com uma escola que não era muito diferente para os alunos da escola que estudei quando criança. Meus alunos viviam violências raciais como eu vivi, isso gerava neles problemas de autoestima que também tive (que na verdade ainda lido até hoje) e o que mais me doeu, eles tinham vergonha de se declararem negros. Me perguntei, “Por que?”, “O que estamos fazendo com as nossas crianças?”, mas foi necessário somente alguns dias observando o sistema educacional e conversando com outros professores negros e professoras negras da rede pública para entender que a escola é racista, desde sua estrutura até a maneira como forma seus indivíduos. A escola nos conta a versão da história a partir da narrativa do colonizador, ensina a história dos brancos, sobre os heróis brancos, sobre o ideal de beleza branca. Nos ensina a colocar a Europa como um ideal a ser atingido, sem valorizar e contar com respeito a história dos povos negros e indígenas.
Alguns de vocês aqui, lendo, podem pensar… “nossa que exagero, chamar a escola de racista é demais”, mas que outra explicação teríamos? Existe uma lei que vigora desde 2003, que obriga a inserção no currículo da história, cultura e contribuições na formação social do Brasil dos povos negros. A lei 10.639/03. Outra lei que a partir desta, obriga a inserção no currículo também, da história e cultura dos povos indígenas, a lei 11.645/08. Até hoje essas leis não são aplicadas na maioria das escolas do Brasil, se fossem, de 2003 até 2022 muitas coisas poderiam ter mudado, mas infelizmente não mudaram. Muitas crianças descobrem na escola o racismo, aprendem na escola que ser negro pode ser encarado de forma pejorativa, pode te fazer virar chacota e viver violências diárias simplesmente pela sua cor da pele, seus traços… seu cabelo. Eu sabia que sozinha não poderia mudar muito as coisas, mas não fazer nada definitivamente não era uma possibilidade.
Me senti provocada, e desta provocação que nasceu o Empoderadas IG, grupo de estudos de alunos que acreditam na mudança e no empoderamento através da educação antirracista. Começamos de maneira tímida, um projeto voluntário onde estudávamos a partir da temática cabelo crespo, sobre outros temas como racismo, homofobia, questões de gênero, feminismo negro… e em três meses de estudos não somente eu como outras professoras percebemos uma mudança gritante na atitude das meninas do projeto. Estavam mais participantes nas aulas, com argumentos mais estruturados nos debates, elas estavam mais empoderadas. Eu, por outro lado estava aprendendo muito enquanto buscava maneiras de ensina-las, afinal, eu estava propondo para o grupo uma educação antirracista que nunca me havia sido oferecida na educação formal. O projeto cresceu, o grupo aumentou, começamos a participar de programas de rádio e TV, a viver experiências que nunca imaginamos viver.
Passamos por muitos momentos de dificuldades, a direção da escola retirou nosso espaço, o que acabou com a história das Empoderadas, no IG (apelido da escola onde o projeto nasceu), tivemos que encontrar outra casa, outro lugar que nos permitisse seguir sonhando e lutando. Fomos acolhidas pelo Vila Flores, espaço lindo de Porto Alegre, e agora depois da Pandemia na Ong de mulheres Fora da Asa. Sempre tivemos amigas e amigos queridos que nos estendem a mão quando precisamos. Com a saída do Empoderadas do IG, entendi que minha trajetória naquela escola também estava chegando ao fim, tomei coragem de me inscrever no Mestrado em Educação na UFRGS, e para minha surpresa passei no processo seletivo, o Empoderadas agora estava na UFRGS. As meninas fizeram parte da minha pesquisa, e para a nossa felicidade, na banca de qualificação, a banca sugeriu, pela excelência do trabalho, mudança de nível do Mestrado para o Doutorado. Foram 3 meses de um processo interno na UFRGS, mas conseguimos, e atualmente estamos no Doutorado!
Eu sempre digo que “Eu sou porque nós somos”, pois sem elas eu não estaria onde estou. Este ano tive a oportunidade de fazer um Sandwich, para fazer uma parte da minha pesquisa na UFBA (Universidade Federal da Bahia) em Salvador. Não faria nenhum sentido para mim viver esta experiência sem trazer meus alunos e minhas alunas comigo. Sem proporcionar para eles esta experiência também. Iniciamos uma campanha de arrecadação que ainda está em andamento para trazer 14 jovens do projeto para viverem uma experiência do doutorado em Salvador. Sonho que se sonha junto é muito mais gostoso, nossos amigos e nossa comunidade abraçaram a campanha, e dia 16 de setembro meus alunos e alunas estão vindo passar quatro dias aqui em Salvador, vivenciando a cidade e atividades do doutorado comigo! Estamos muito felizes!
Seguimos com a campanha pois as despesas são muitas, mas já conseguimos as passagens, a hospedagem, e agora estamos na busca para pagar a alimentação e o transporte interno em Salvador.
O que eu aprendi nestes anos é que eu realmente não posso mudar o mundo, mas cada jovem, cada pessoa que eu conheço traz consigo um mundo novo, e esse, podemos mudar. Então eu posso não poder mudar o mundo, mas tenho poder para mudar um mundo de alguém através da educação, e se eu puder mudar um mundo… já vale muito a pena.
O que aprendemos juntas e juntos nesta caminhada é que a educação antirracista transforma vidas e nos possibilita sonhar, e sonho que se sonha junto é muito mais gostoso.
***
Por Profa. Ma. Luciana Dornelles Ramos.