Por Osvaldo Tetaze-Maia.
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Os relatos a seguir, longe de difamar o país vizinho ou politizar o tema, pois essa não é minha vertente de escritor, mais ainda porque tenho grandes amizades há mais de trinta anos na Argentina, servem para destacar a ousadia, a criatividade e, digamos, o senso de humor característico de nossos ‘hermanos’, famosos também por sua cultura de “picardia”. O fato de estarmos em semana de eleições também é mera casualidade, todavia, serve como reflexão, se assim entenderem.
É curioso que muitos poucos conheçam a história desses ‘monumentos’, e em várias ocasiões em Buenos Aires já perguntei aos meus amigos lá, e nenhum conhecia a história, as estátuas e sua origem, o edifício alguns sabiam onde está localizado por ser um órgão público.
Mais curioso ainda é que foi inaugurado na década de trinta no século passado, e até hoje as estátuas ornam o Edifício, cuja história foi desvendada por um Jornalista argentino em 2016.
As duas Estátuas, uma de cada lado da fachada do Edifício da Av. 9 de Julho.
No livro do jornalista Luis Gasulla, O Negócio Político das Obras Públicas1, resgata a história do único monumento ao suborno que existe no mundo, a estátua do antigo prédio das Obras Públicas, hoje sede do Ministério da Saúde, no meio da Avenida 9 de julho em Buenos Aires, que embora seja visível para todos, como dito, muito poucos sabem de sua existência.
Av. 9 de Julho, Buenos Aires, atual Edifício do Ministério da Saúde.
Seguindo o ‘fio da meada’ da história das estátuas do Ministério de Obras Públicas (MOP), Gasulla e outro jornalista de nome Juan Parrilla, do INFOBAE (famoso informativo sobre Economia da Argentina), desvendam a história das negociações de obras públicas na Argentina, desde a prisão de José López, ex Secretário de Obras Públicas da Argentina no Governo de
Cristina Kirchner, no Convento de General Rodrigues em 2016, até a época da construção do Edifício. Sobre esse fato, em cujo momento eu estava em Buenos Aires, pode-se dizer que foi o precursor das ações penais contra Cristina Kirchner, ou pelo menos o ‘estopim’ para que mais investigações fossem abertas sobre seu governo, e durante semanas foi destaque nas mídias do país.
Na noite de 16 de Junho de 2016, o lugar escolhido por López para esconder seu dinheiro (oriundo da ‘coima’ = propina) não poderia ser melhor. O Mosteiro, de que o antigo oficial e De Vido (ex Diretor Geral do Ministério de Obras Públicas também) era frequentador regular, situa-se numa zona residencial de casas de campo, com poucos vizinhos, nos arredores da grande Buenos Aires. Até abril de 2015, o convento estava a cargo de Monsenhor Rubén Di Monte, próximo ao Kirchnerismo. Quando o padre morreu, apenas uma freira de 95 anos e outra mulher da empresa permaneceram na propriedade.
Portão do Monastério onde as sacolas com dinheiro da propina foram jogadas.
López chegou lá antes do amanhecer e tocou a campainha do Convento, mas sem resposta de dentro e com medo de que alguém o visse na rua naquele momento, decidiu jogar seu dinheiro que estava em várias bolsas, por cima do muro, e quando a polícia chegou a chamado de um vizinho que acordou com o barulho, López entrou em estado de choque. A quantidade de notas apreendidas ultrapassou os US$ 9 milhões de dólares.
Primeiro ele tentou subornar os agentes e, como não conseguiu, “disse à freira local que estavam roubando o dinheiro que ele pretendia doar ao mosteiro”! Imaginem a cara da freira as quatro da madrugada vendo aquela montoeira de dinheiro e escutando isso! Eu presenciei tudo isso nas televisões durante a semana que fiquei lá naqueles dias, cômico e de chorar de rir, (não fosse a sordidez dos fatos), com as respostas até o dia da confissão de Lopez.
Segundo os jornalistas, as duas estátuas de pedra gelada se destacam nos cantos da fachada do prédio em Buenos Aires, uma com as mãos na frente do peito segurando um cofre, e a outra com uma das mãos estendida para trás, rente ao corpo, com a palma voltada para fora, olhando para baixo, distraída ou constrangida , com uma ponta de culpa, e ainda constatam: Estas estátuas já denunciavam a corrupção há quase 100 anos, e poderia se dizer que são provavelmente as que marcaram o destino da corrupção no país desde o momento de sua colocação, antevendo os tempos que viriam, mesmo muitos anos depois.
Alguns chamam essas estátuas de “o único monumento ao suborno no mundo”. E a imagem que elas transmitem é brutal.
Reconstruir sua história não foi fácil, contam os jornalistas, porque não há versão oficial e pouquíssimos historiadores depositaram sua curiosidade sobre elas. Segundo a versão mais forte, elas foram encomendadas ao artista escultor da época, Troiano Troiani, como sinal dos tempos vindouros, porém não aparecem no projeto original do edifício ou nas plantas ou em qualquer arquivo. Imagina-se que o Arquiteto, após a aprovação do projeto, incluiu as duas estátuas para denunciar as falcatruas que assistia na construção do Edifício.
Edifício no ano de 1937
Entre as muitas curiosidades da cidade de Buenos Aires e os mistérios da história argentina, as estátuas representam uma denúncia sutil, uma alegoria do que aconteceu na década de 1930 com obras públicas e uma profecia do que é a vida do país até hoje, relatam ainda os Jornalistas.
Hoje o Ministério da Saúde trabalha lá. O Edifício Foi idealizado pelo arquiteto Alberto Belgrano Blanco, mas executado por seu colega José Hortal, Diretor Nacional de Arquitetura em 1933. Conhecido hoje como o Edifício Evita, este monumento ao suborno nele, a estátua com a mão estendida, é inédito no mundo; a imagem de pedra, à espreita, num canto do segundo andar do edifício, simboliza o pagamento de subornos, um infeliz sinal da história das obras públicas na Argentina, que o Jornalista Gasulla o escolheu para a contracapa do seu livro.
Em 26 de julho de 2011, Cristina Kirchner inaugurou o “Mural Evita” com um grande discurso, para o qual restaurou sua fachada, com as duas estátuas que permanecem até hoje, diga-se.
Ícone de Buenos Aires, o primeiro arranha-céu da cidade, com 93 metros de altura e 22 andares, o Ministério de Obras Públicas foi o local escolhido para fazer a primeira transmissão televisiva. Além disso, Eva Perón fez seu discurso imortal de “renúncia” lá naquele Edifício.
Evita Peron
Os Jornalistas ainda descrevem que não há razão para aquela estátua art déco estar lá, sem certificações. Os artistas costumam deixar mensagens em seus trabalhos e isso não seria exceção. A mensagem no antigo prédio das Obras Públicas é tão clara, que descobri-la com tanta água correndo por baixo da ponte, especialmente nos últimos 12 anos, é assustador como se fosse uma profecia.
Naqueles anos, a Avenida 9 de Julho estava sendo construída, e a construção de 1933 dificultou as obras. Idas e vindas, até pagamento de “incentivos”, tentavam agilizar o trabalho. Talvez seja esse o motivo que deu origem à lenda do único monumento conhecido ao suborno no mundo.
E ainda destacam que, observando atentamente aquela mão estendida em atitude de segredo, aqueles olhos sombrios, com aquela malícia argentina, mas também com aquela culpa que é tão nossa, captam a tragédia que viria.
O suborno, o superfaturamento, as empresas de amigos, as empresas criadas para e pelas obras públicas de outros amigos, foram o denominador comum do infortúnio político e social que hoje nos expõe, à falta de infraestrutura, à ausência de educação e edifícios escolares, a falta de hospitais e de saúde. A culpa nos olhos daquela estátua, congelada em pedra para seus contemporâneos e todas as gerações que vieram depois dela. Gasulla, em uma investigação completa, revela uma leitura emocionante sobre uma complexa rede de empresas e governos.
O Ministério das Obras Públicas vem mudando desde a sua criação, mas aquela estátua de olhos arregalados ainda está lá até hoje, com a mão estendida, esperando seu retorno. Em maio de 2003, a pasta foi reinventada como Ministério do Planejamento Federal, Investimento Público e Serviços, dependência que ficou a cargo, durante as presidências de Néstor e Cristina Kirchner, para quem sempre houve uma estátua imóvel com olhos evasivos, com a mão estendida com a palma externa.
Anos e quilômetros para um ministério do qual dependem obras públicas, cuja finalidade e definição não é outra senão aquela desenvolvida pelo Estado com um objetivo social, ou seja, atender às necessidades do povo, em tudo o que é seu bem-estar, saúde, educação, segurança, habitação, infraestrutura de todo o tipo que cubram estas necessidades, vias, estradas, obras hidráulicas, redes de gás, água e esgotos.
Porque aquele dinheiro, que foi embora naquele suborno pressagiado e petrificado pela estátua do MOP, o superfaturamento, o “dízimo” de 15%, comentam os Jornalistas, veio das entranhas da sociedade que paga seus impostos, que vão para os Fundos públicos, que em muitos casos foram desviados.
Muitos atores fazem parte da obra de Gasulla, O Negócio Político das Obras Públicas, que foi e é em muitos países a maior caixa para a política, para o enriquecimento, e para tudo o que não é para satisfazer as necessidades do povo.
Descrevem ainda os Jornalistas, entre outros atores fundamentais, que o livro destaca o papel da Direção Nacional de Estradas e da Câmara Argentina de Construção, que não escapam ao olhar de pedra da estátua do MOP, que segura o baú nas mãos.
Sim, a Argentina tem o único monumento ao suborno que existe no mundo, afirmam os Jornalistas, e também destacam que a forma de receber subornos vem se diversificando na última década: nem a mão com a palma externa presa ao corpo de uma estátua, nem as mãos segurando um cofre no peito da outra, teriam sido suficientes pelo que a última estátua levou, uma década de signo kirchnerista. Fato marcante e intrigante este dessas duas estátuas, cuja picardia do artista escultor e do Arquiteto não foram suficientes para fazer com que o dinheiro público fosse corretamente aplicado, entretanto, deixaram eternizadas suas denúncias!
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Por Osvaldo Tetaze-Maia.