Por Osvaldo Tetaze Maia
Dos fatos pitorescos que ‘emolduram’ uma Copa do Mundo de Futebol, dentre os acontecimentos extra-campo, nenhum outro chama mais a atenção da mídia em geral do que os torcedores de cada país, onde cada um procura representar a sua seleção da forma mais marcante possível.
Bem, essa análise pode ser aceita hoje em dia, mas tentar destacar-se mais do que a própria seleção de seu país há três décadas, na Itália de 1990, não era páreo para qualquer um em uma época que o mundo ainda não era uma ‘pequena aldeia’, como é hoje em razão da tecnologia de comunicação atual.
Em 1990, salvo raras exceções, como no caso dos Escoceses com seu tradicional “kilt”, aqueles famosos saiotes xadrez, o máximo que se via nas ruas e nos estádios de futebol de uma Copa do Mundo era cada torcida com a camiseta ou as cores da sua seleção, nem “pintura nos rostos” existia, e tampouco as ‘Larissas Riquelmes’ expondo seus celulares!
Como já era “veterano” de mundiais em minha terceira Copa do Mundo, viajei em Março de 1990 a Itália para alugar três apartamentos cerca de Turim para acomodar o grupo de amigos que foram comigo. Que diferença hoje com todos os aplicativos de celular para alugar imóveis ou hotéis pelo mundo!!
Nessa viagem aproveitei para ir a Londres encontrar meu amigo Branco que jogava no Porto na época e era um dos titulares da seleção, e lá assisti o último amistoso do Brasil antes do Mundial contra a seleção Inglesa no ‘Old Wembley’, e lá também o resultado teria sido 0 x 0 como esse da semana passada, ou melhor, 1 x 0 para o Brasil se o Juiz Alemão não tivesse errado ao validar o gol da Inglaterra, pois a bola não ultrapassou a linha demarcatória ao contrário daquele famoso lance de 1966 contra a Alemanha na final daquela Copa, ademais de que os ingleses ‘defenderam’ um gol com a mão.
Sobre esse jogo e os fatos que antecederam aquele mundial de 90 voltarei a comentar em outro artigo, entretanto, sobre esse jogo hoje pode-se acessar no link abaixo: – https://jogosdaselecaobrasileira.wordpress.com/1990/03/28/28-de-marco-de-1990-inglaterra-1-x-0-brasil/
Sobre a “Pilcha” que é o tema desse artigo, nada mais é do que a famosa “bombacha” e a indumentária tradicional da cultura gaúcha, utilizada por homens e mulheres de todas as idades, tanto no Rio Grande do Sul quanto em Santa Catarina e no Paraná, onde há muitos descendentes de gaúchos, e na cultura gaúcha já é considerada por lei traje de honra e de uso preferencial inclusive em atos oficiais públicos.
Bem, mas isso ninguém sabia em 1990, muito menos na Europa, e foi lá que apareceu pela primeira vez em um Mundial de Futebol a figura do ‘Gaúcho Pilchado’, como se diz no folclore gauchesco, ou seja, com as vestimentas de botas, bombacha, lenço vermelho no pescoço e chapéu, e esse foi realmente o primeiro ‘Torcedor Gaúcho Pilchado’ em uma Copa do Mundo!
E o ‘melhor’, eu mesmo tinha convidado esse Gaúcho meses antes para assistir essa Copa do Mundo junto com o grupo de amigos que me acompanharam, mas nunca imaginei que o Ari Barcellos iria sair de Porto Alegre já completamente ‘pilchado’, e desembarcar em Nice na França causando o maior alvoroço por onde passava!
Na Itália já havia alugado em Março daquele ano três apartamentos em um excelente edifico recém construído e preparado para a Copa do Mundo, na cidade de Pietra Ligure, uma belíssima cidade praiana cerca de 160 km de Turim onde o Brasil jogaria os três jogos da primeira fase, contra Suécia (2×1), Costa Rica (1×0) e Escócia (1×0).
Essa cidade fica no norte da Itália, fica a 75 km de San Remo, famosa por seus festivais da década de 70, a 110 km de Mônaco e 130 km de Nice, na França, e os vôo que o nosso grupo tomou foi pela Air France com conexão em Paris e com destino a Nice, França, quase fronteira com a Itália, e eu que já havia saído três dias antes do Brasil para acertar com a Imobiliária lá em Pietra Ligure e pegar as chaves dos três apartamentos, bem como fazer as compras iniciais de geladeira e banheiros fui recepcionar parte do meu grupo em Nice.
A CHEGADA À EUROPA DE UM GAÚCHO ‘PILCHADO’
O Ari Barcelos saiu de Porto Alegre e embarcou em São Paulo juntamente com minha esposa à época e mais alguns amigos com destino a Nice, onde eu estava esperando para levá-los ao nosso apartamento já alugado na cidade italiana de Pietra Ligure. O restante do grupo vivia nos estados Unidos e no Rio de Janeiro e chegou em outros vôos no outro dia.
Qual não foi a minha surpresa quando na sala de espera vejo o ‘meu grupo’ correndo em minha direção, talvez com ‘um pouco de vergonha’ já que estavam há mais de 24 horas acompanhando um ‘gaúcho de bombacha’ desde o Brasil, o qual só haviam encontrado no aeroporto de São Paulo para tomar o vôo para França, e ele já estava ‘à caráter’.
E assim, um pouco mais atrás vejo um Gaúcho de 1,90m de altura ‘pilchado’ e em voz alta disse: “Tetaze, cheguei na Europa TCHÊ”, chamando a atenção de todos os que estavam no saguão, sem que os franceses (e qualquer um) não entendessem nada!!
Menos mal que na época não havia o controle que há hoje nos aeroportos, pois sem dúvida hoje ele não passaria com tantas ‘tralhas’ que trazia nas bolsas de mão, como a inseparável ‘Cuia’, pacotes de ervas de chimarrão, garrafa térmica, lenços, cintos, enfim, uma infinidade de apetrechos gauchescos!
Bem, o Ari Barcelos ‘pilchado’ de gaúcho foi um ‘evento’ à parte naquela Copa e durante os trinta dias que permaneceu na Europa, pois na época, uma figura daquelas vestida e andando pelas ruas com uma indumentária totalmente desconhecida dos Europeus, que só conheciam as fantasias de carnaval do Brasil e que (infelizmente) eram a principal ‘propaganda’ do Governo Brasileiro, chamava muito a atenção, inclusive dos próprios brasileiros que o encontravam por lá. Para alguns brasileiros, nem os Escoceses com seus ‘kilts’ tradicionais (saias xadrez) chamavam mais a atenção nas ruas e nos jogos, pois já haviam convivido com a torcida Escocesa na Espanha em 1982, mas um gaúcho de bombacha e completamente ‘pilchado’, era demais, nem os brasileiros tinham visto ainda!!
De minha parte, só procurava avisar aos meus amigos e demais brasileiros que não procurassem ‘saber’ o que os Escoceses usam por baixo do ‘kilt’, pois já havia visto alguns brasileiros ‘desavisados’ na Copa da Espanha em 1982 ‘assustarem-se’ quando encontravam com os Escoceses nas ruas de Sevilha e numa tentativa frustrada de inibi-los, por assim dizer, levantavam suas ‘saias’ e aí sim eram os brasileiros que ficavam assustados ao descobrir que eles não usavam nada por baixo, o que sempre despertava uma gargalhada geral de todos, pois diziam que ‘nunca’ tinham visto nada igual e ‘daquele tamanho’!
Mas definitivamente, um Gaúcho ‘Pilchado’ nas ruas da Itália foi sim um ‘evento’ a parte naquela Copa do Mundo, pois inúmeras foram as fotos que pediam para tirar com o Ari onde quer que ele estivesse, no trem, nos restaurantes, nas ruas, no Estádio, enfim, até entrevista começou a dar antes dos jogos.
Assim, durante um mês um “Gaúcho pilchado” viveu em Pietra Ligure mesmo depois do término da nossa estadia lá, fazendo churrasco, costela (sim, churrasco e costelão, feijoada, carreteiro, etc,) ‘estórias’ que serão narradas em outros artigos, pois o Ari e o Homero Rasbold que são companheiros de Porto Alegre fizeram amizades com famílias Italianas da cidade e conseguiam tudo o que fosse necessário para ‘manter a tradição gaúcha’ lá na Itália, inacreditável!
E nos intervalos entre os jogos do Brasil o Ari viajava de trem fazendo turismo na Itália com nosso amigo Homero Rasbold, e assim, foi visitar Veneza, Roma, Pizza, e outros pontos turísticos, sempre ‘pilchado’ e com a Cuia de chimarrão na mão!
Depois que o Brasil do Lazaroni foi desclassificado pelo cabeludo argentino Caniggia, deixamos Pietra Ligure para dar um giro de carro na Europa por dez dias e voltamos para a cidade reencontrar o Ari que havia ficado por lá, e aí outra surpresa, ele havia saído do apartamento e deixou o seu novo endereço, pois estava hospedado com uma família que tinha uma choperia na praia, e quando lá chegamos encontramos o Ari ‘pilchado’ e atendendo no Bar com os donos do local, e imediatamente nos ofereceu um chopp ‘por conta da casa’!!
Já estava de ‘dono’ do local, e diz ele que nos dez dias que ali ficou o movimento da choperia aumentou tanto que o dono o convidou para ficar por mais tempo, pelo menos até o fim do verão! Não é de duvidar que os turistas se encantassem com um personagem desses atendendo como ‘barman’, de botas, bombacha, lenço e chapéu, sem falar nada de italiano e falando somente o português, num calor de mais de 30 graus do mediterrâneo!
Portanto, enquanto o Brasil durou na Copa, por onde o Ari passava era entrevistado, fotografado e ficou marcado na imprensa Européia uma nova modalidade de torcedor brasileiro, e alguns anos mais tarde, o Jornal Zero Hora de Porto Alegre editou um livro das Copas do Mundo de Futebol, onde destaca o Ari Barcelos em uma das páginas como o símbolo do torcedor do Rio Grande do Sul.
Após ter rodado pela Itália e parte do sul da França, o Ari queria passar pelo menos um dia em Paris, por onde havia apenas desembarcado na chegada e havia feito conexão para Nice, e assim aproveitei para realizar o sonho do Ari de conhecer a cidade ‘Luz’ no último dia da viagem, aonde desembarcamos de Nice às 9 horas da manhã e passeamos até a noite.
Para contar o que foi andar com o Ari ‘pilchado’ em plena ‘Champs Elysées’, na Torre Eiffel, nos Cafés de Paris, em 1990, seriam necessários vários ‘capítulos’, pois era um dia de semana normal e os Parisienses não entendiam o que era ‘aquilo’ com uma bandeira do Brasil nas mãos andando pela cidade com aquelas roupas! Sem contar então a visita às ‘Galerias Lafayette’, conhecida loja de departamentos de Paris que quase parou para acompanhar o Ari por seus departamentos, sem que a clientela entendesse nada!
Simplesmente hilário, pois em qualquer ponto turístico, aqueles grupos de turistas japoneses ou chineses que sempre estão em qualquer lugar, a qualquer época, quando viam o Ari formavam fila para tirar fotos com ele, inclusive turistas brasileiros que quando viam um ‘gaúcho de bombacha’ nas ruas de Paris vinham ao encontro dele para tirar fotos também, e então, posso dizer que isso são ‘coisas do futebol’ também, daquelas que fazem as pessoas expressarem suas paixões onde quer que seja!
Finalizando, faço aqui o registro de que quando se fala de ‘Gaúcho da Copa’, a imagem que vem é do hoje conhecido Clóvis Acosta Fernandes, que lamentavelmente faleceu em 2015, aquele torcedor que sempre aparecia nos jogos do Brasil com a camiseta da seleção e o tradicional chapéu de gaúcho, segurando uma réplica da Taça, e aqui presto minhas sinceras homenagens mesmo sem tê-lo conhecido.
Entretanto, o destaque dessa matéria é sobre o registro dos fatos e das fotos daquela época e daquela copa de 90 na Itália, onde indubitavelmente, o Ari Barcelos Maia, meu Tio, foi o primeiro gaúcho a embarcar e desembarcar na Europa ‘pilchado’ de gaúcho, e lá permaneceu durante toda a Copa de 90 conforme aqui descrito, mas essa tradição gauchesca em Copas do Mundo de Futebol foi sim perpetuada pelo ‘famoso Gaúcho da Copa’ até o fim da sua vida, e agora vamos aguardar o próximo mundial.