Por Adinaldo Souza
O Jornal Vida Brasil Texas tem a honra e o prazer de entrevistar o Observatório da Branquitude na pessoa de seu coordenador executivo, Thales Vieira.
Possui graduação em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2011), mestrado em Antropologia na Universidade Federal Fluminense (2014) e é doutorando em Sociologia também pela UFF. Tem experiência na área de Antropologia e direito, com ênfase em estudos do Estado, políticas de drogas, juventudes e relações raciais, atuando principalmente nos seguintes temas: branquitude, racismo, polícia, poder e Estado.
Da esquerda para direita, Carol Canegal, pesquisadora; Diogo Santos, coordenador de comunicação; Dandara Tinoco, consultora e; Thales Vieira, coordenador geral.
Entrevista
VB – Como, quando e onde surgiu a ideia do Observatório da Branquitude?
TH – A ideia do Observatório da Branquitude surge a partir da identificação de uma ausência de organizações da sociedade civil no Brasil que centralizassem a discussão da branquitude, isto é, que implicasse os brancos na discussão racial do ponto de vista de obtenção de privilégio a partir do racismo. O contexto de surgimento da ideia foi a partir da minha trajetória trabalhando em fundações financiadoras de organizações da sociedade civil negra, sobretudo no Instituto Ibirapitanga. Nessa atuação senti falta de organizações que tematizassem com centralidade a discussão de branquitude. Depois a ideia cresceu e amadureceu com a chegada da equipe e de uma jornada de diálogos que fizemos com intelectuais, organizações e lideranças da sociedade civil negra, como Cida Bento, Bianca Santana, Lia Vainer, Lourenço Cardoso, entre outras/os.
VB – Qual é o propósito do Observatório?
TH – O Observatório da Branquitude produz e dissemina conhecimento, de maneira contínua e sistemática, para popularizar o debate sobre branquitude e suas consequências para as desigualdades raciais. Somos uma iniciativa da sociedade civil fundada em 2022 e dedicada a produzir conhecimento e incidência estratégica com foco na branquitude, em suas estruturas de poder materiais e simbólicas, alicerces em que as desigualdades raciais se apoiam.
VB – Que setores da sociedade brasileira o Observatório pretende contemplar?
TH – Queremos contribuir com o conjunto de organizações antirracistas no Brasil, com o papel de decodificar a branquitude e suas estratégias de manutenção de poder. Portanto, nosso foco de atuação é na branquitude, sobretudo em suas práticas de solidariedade racial e exclusão. É esse cenário que queremos mudar.
Reside aqui uma complexidade na nossa atuação já que os atores que queremos dialogar e construir junto são as organizações do movimento negro e brancos comprometidos com a luta antirracista e, a partir daí, mudar o cenário descrito acima.
VB – Via de regra, as análises sociológicas que abrangem a comunidade negra partem do prisma da negritude. Poderia explicitar se o Observatório da Branquitude e uma contraposição à ótica da negritude, se sim, por quê?
TH – Essa é uma ótima pergunta. Vou recorrer a um clássico para responder, Frantz Fanon.
Fanon vai dizer lá no Peles Negras, Máscaras Brancas, que é o branco que cria o negro, isto é, é o branco que cria a ideia de raça a partir do racismo. Veja bem, isso é sutil mas é muito importante, o racismo é pai da ideia de raça e não o inverso como se supõe.
Portanto, a branquitude é – mantendo a metáfora da família – filha legítima do colonialismo, já o negro é o “filho bastardo” das relações sociais modernas que nascem naquele momento, como uma antítese da ideia de sujeito moderno. Mas o negro não é estático, é pulsante, e cria a ideia de negritude como forma de se contrapor às hierarquias raciais colocadas nesse movimento, e partir daí compreende que o branco ao criar o negro, também cria a si próprio como objeto de subjetivação.
O processo que cria o negro e que, por consequência cria o branco, é o processo que define quem é humano e quem não é digno de humanidade. A negritude, enquanto movimento, é a reivindicação da humanidade por parte da população negra, já a ideia de branquitude crítica, é o questionamento a própria ideia fundante de que existe um modelo universal de humanidade que é o branco.
VB – A própria palavra observatório indica tratar-se de observação de fatos e fenômenos, para além disto o Observatório da branquitude apresenta alguma outra peculiaridade?
TH – A gente atua a partir de três grandes eixos estruturantes. O primeiro, que a gente carrega no nome, é o da produção de conhecimento, isto é, essa observação/pesquisa de fatos e fenômenos citados na pergunta, mas com sistematização e trabalho em cima dessa observação. Os outros dois eixos são o da comunicação e da articulação política, e eles existem pois queremos que a nossa produção de conhecimento alcance o maior número de pessoas e seja instrumento de mobilizações políticas que reduzam as desigualdades raciais. Não basta para nós produzir bons materiais de pesquisas se eles não forem de usufruto da população como instrumento de luta.
VB – O jornal Vida Brasil Texas, entende ser o Observatório da Branquitude uma empresa de razão e objeto sociais inusitada no Brasil ou há alguma concorrência com o formato diferenciado, porém com a mesma finalidade da sua?
TH – Nós pesquisamos bastante e não encontramos uma organização que tenha centralidade na discussão crítica da branquitude no Brasil, nem mesmo nos EUA encontramos ainda, embora nosso alcance de pesquisa ainda não seja capaz de afirmar com exatidão se de fato não existe. Esse tipo de estudo é conhecido como whiteness studies nos Estados Unidos e ganhou relevância a partir da década de 90 com o lançamento do livro Out of Whiteness: Color, Politics, and Culture da autora Vron Ware, embora o primeiro estudo seja do início do século do grande intelectual W.E.B. Du Bois, denominado Black Reconstruction in America 1860-1880.
VB – Uma pergunta que aguça a curiosidade minha e provavelmente de alguns leitores: qual a formação acadêmica e a composição étnica de seus coordenadores?
TH – Nós temos uma equipe 100% negra e isso é muito importante para nós. A ideia aqui é inverter o lugar historicamente consolidado de quem é sujeito de conhecimento e quem é objeto nos estudos em relações raciais. Para Grada Kilomba, importante intelectual negra lusitana, o sujeito é “aquele/a que tem voz e objeto é quem deve ser observado, isso inclusive foi importante na definição de nosso nome.
VB – Caso haja informações outras não contempladas nas perguntas, por favor fique à vontade para expô- las.
TH – Acho importante trazer que a discussão de branquitude é, sobretudo, uma discussão sobre poder e hierarquia. Definimos branquitude como o lugar de privilégios raciais simbólicos e materiais, que se construiu historicamente como o mais elevado da hierarquia racial. Atribui racialidade e subjetividade que estigmatiza a quem considera não branco, sendo essa a pedra fundamental do racismo. É nesses lugares de poder, onde há uma sobrerrepresentação de brancos que queremos incidir.
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Por Adinaldo Souza.
Poeta.
Excelente e inteligente iniciativa a criação do Observatório da branquitude, que já no nome questiona o discurso racial hegemônico e a produção de falsos consensos.
Excelente! A missão dos pesquisadores do Observatório da Branquitude é honrosa. A disseminação sistemática de ideias concretas traz à todos, um suporte para debater o tema nasais variados ambientes sociais.
Belo trabalho o Observatório tem um grande desafio pois mudança de paradigma nas instituições e lugares de poder. O negro mesmo tendo uma trajetória de sucesso nestes espaços ainda hoje ouve “Se não fosse negro já era diretor”.
Bom trabalho. Vamos a Luta.
Mário Ferreira
Como é maravilhoso ver nossos intelectuais negros abordando com ciências, estudo de alto conhecimento um tema tão importante, parabéns a equipe do observatório.
Muito boa iniciativa a criação do Observatório da Branquitude.
“produz e dissemina conhecimento, de maneira contínua e sistemática, para popularizar o debate sobre branquitude e suas consequências para as desigualdades raciais”.
O debate sobre branquitude precisava de uma organização para que o assunto fosse debatido com frequència. Falar desse ttema pode abrir oportunidades para que organizações, insituições, empresas, fundações façam uma reflexão.
Parabéns ao Observatório que com muita contundência situa o polo branco como o objeto de estudo. É uma observação importante e uma visão completamente oposta ao que historicamente se consolidou. Excelente trabalho VidaBrasilTexas.
Parabenizo a entrevista e a brilhante iniciativa do Observatório da Branquitude, porque é imprescindível e urgente o tema desigualdade racial no Brasil. Num país, com 302 instituições públicas de ensino superior e apenas 8 reitores que se declaram negros, verificamos que temos um longo caminho a ser percorrido nessa questão.
Excelente iniciativa do Observatório da Branquitude. Vê-los como “objetos de pesquisa” é fundamental nesta caminhada para descolonizar mentes. Penso que esse olhar mais apurados sobre a branquitude possa trazer para a pauta informações valiosas. Parabéns e muito SUCESSO!
Excelente iniciativa do Observatório da Branquitude. Penso que colocar a branquitude como “objeto de pesquisa acadêmica” seja fundamental nesta caminhada para descolonização de mentes. Parabéns e muito SUCESSO!
Meu comentário não foi publicado
Milhões de desculpas Vilma, pela demora em aprovar o seu comentário. Tenha certeza que é extremamente importante para nós, manter vivo o contato com você. Mais uma vez, peço desculpas. Receba um forte abraço.
Abert Einstein já havia dito que o que move o mundo são as perguntas. Instigado pelas perguntas inteligentes do entrevistador, o entrevistado pôde discorrer sobre o tema com clareza e profundidade. Parabéns ao Observatório da branquitude por abrir esse farol que garante o trânsito de ideias, a fim de promover um estudo de um tema que há séculos permanece envolto em meio ao nevoeiro do preconceito e ignorância.
Quero parabenizar o Jornal Vida Brasil Texas, pela entrevista que apresenta o OBSERVATÓRIO DA BRANQUITUDE.
“Não basta para nós produzir bons matérias de pesquisa se eles não forem de usufruto da população como instrumento de luta.”
Portanto, é fundamental que os dois eixos que vocês explicitam, comunicação e da articulação política, alcance também o maior número de pessoas, com os novos embasamentos teóricos e que possam contribuir para a continuidade e qualidade das ações na luta antirracista.
Importantíssima a publicação da entrevista que proporciona a oportunidade da difusão de conteúdo tão bem elaborado a respeito da natureza e finalidade da iniciativa da instituição do Observatório da Branquitude , que vem trazer ao centro da atenção e da reflexão sobre o racismo o agente de sua geração e sustentação , produzindo conhecimento fundamental sobre esse fenômeno e, criando instrumental teórico decisivo para sua compreensão e consciência do desafio de sua superação.