Por Osvaldo Tetaze Maia
(Rakitic e Rodric) – (Vlade Divac e Drazen Petrovic)
No Brasil nascemos escutando que ‘Deus é brasileiro’, pois aqui não temos guerra e grandes catástrofes, vulcões e terremotos, e por aí vai. Guerras então, somente nos lembramos da participação dos Pracinhas na segunda guerra mundial na Itália, ah, e a guerra do Paraguai, há mais de cento e cinqüenta anos, e que quase ninguém sabe o motivo e nem quando ocorreu. Com o encerramento de mais um Mundial de futebol e com a imprevisível final entre França e Croácia, quero aqui relembrar uma lição que o esporte mais uma vez nos deixou.
A Croácia hoje é motivo de orgulho de seu povo e de admiração do resto do mundo devido a sua campanha na Copa da Rússia, e definitivamente a colocou na “bucket list” das viagens, em tradução livre, “coisas a fazer antes de morrer”, de quem ainda não conhece o país. A França foi a merecida campeã da Copa do Mundo de Futebol de 2018, e também é repleta de história e um dos países mais visitados do mundo, mas a ‘coqueluche’ atual, a ‘bola da vez’, passou a ser a Croácia.
Equipe francesa Bi-Campeã Mundial de Futebol
O esporte é uma fonte inesgotável de histórias de aproximação e união entre os povos, e um dos fatos mais marcantes contei no texto anterior (Trégua de Natal), entretanto, é necessário conhecer um pouco da história da Croácia e de dois dos maiores jogadores de basquete da antiga Yugoslávia, Vlade Divac (Sérvio) e Drazen Petrovic (Croata), para compreender a mensagem transmitida por Rakitic (Croata) a Djokovic (Sérvio) dias antes das finais da Rússia e do Torneio de Tênis de Wimbledon em Londres.
Seleção de Basquete Iugoslava final anos 80
A Croácia é hoje um dos sete estados independentes que surgiram após a derrubada da antiga Iugoslávia em 1992, devido à queda do comunismo no final da década de 80, e sob qualquer aspecto, uma ‘viagem’ mesmo que seja através de fotos, faz com que você deseje se transportar imediatamente a cada uma daquelas paisagens maravilhosas.
Relação dos países que compõe a área da antiga Iugoslávia
Portanto, o território da Iugoslávia que tem uma área de cerca de dez por cento menor que o estado de São Paulo, é formado hoje pela Sérvia e Montenegro, Croácia, Eslovênia, Macedônia e Bósnia Herzegovina. Em 2006 Montenegro se tornou outra nação independente sendo reconhecida pelas organizações internacionais, e em 2008 foi desmembrada outra República, Kosovo, a qual também declarou sua independência da Sérvia, gerando uma disputa diplomática para determinar se Kosovo poderia ser legalmente reconhecida com um Estado independente. Até gora Kosovo ainda não é membro das Nações Unidas, porém 115 países, incluindo os Estados Unidos e vários membros da União Européia reconheceram Kosovo como uma nação independente e soberana.
Belgrado – Sérvia
Montenegro
Zagreb – Croácia
Liubiania – Eslovênia
Skopie – Macedonia
Pristina – Kosovo
Sarajevo – Bósnia
Sarajevo – Bósnia
Assim, onde era a Iugoslávia, no mesmo território existem hoje sete países, Sérvia, Montenegro, Croácia, Eslovênia, Macedônia, Kosovo e Bósnia Herzegovina. A similaridade dos idiomas e a longa história de convivência como uma só nação ainda mantém muitas ligações entre a população de cada novo país, muito embora as políticas e normas de cada território busquem uma identificação própria, principalmente quanto ao idioma. O idioma Sérvio e Croata é linguisticamente o mesmo, com algumas variantes literárias e de escrita impostas pelos governos nas regiões onde predominava outras línguas, como a Eslovênia e Macedônia, e atualmente existem padrões lingüísticos para a Bósnia, Croácia, Montenegro e Sérvia.
Mapa da Iugoslávia no final década de 80
Mapa do território com os países atuais
Quando se fala nesse assunto, a primeira coisa que vem a memória é a guerra da Bósnia,como ficou conhecida e que perdurou de Abril de 1992 a Dezembro de 1995 em plena Europa, e depois de pouco mais de quatro décadas do fim da segunda guerra, voltaram a ocorrer as atrocidades de um grande conflito mundial dentro do território Europeu.
No ‘meu’ pacote de viagens obrigatórias já estão incluídas todas as paisagens acima, mas fica difícil imaginar que quase todas aquelas vistas maravilhosas foram completamente destruídas em pouco mais de três anos de guerra, e a Croácia de hoje, com seu futebol exuberante e de garra, talvez possa ter deixado uma mensagem de garra e de conservação da união entre os povos.
Sarajevo capital da Bósnia em 1994
Sarajevo em dois tempos
A título de ilustração do tema de hoje, contarei a história dos dois maiores jogadores de basquete das décadas de 80 e 90, Vlade Divac (Sérvio) e Dražen Petrović (Croata), na época somente Iugoslavos.
Ah, qual o propósito de postar um tema sobre basquete logo após uma final estonteante de Copa do Mundo de futebol, poderão dizer!
Não digam nada, pois por mais que editasse aqui um tratado sobre o assunto, jamais poderia descrever a magnitude dos fatos que envolveram a vida desses dois desportistas, (por mais que tente, não consigo chamar de “basquetebolistas”), e agora com a Croácia tornando-se o centro das atenções mundiais, é tema obrigatório assistir (ou rever) o documentário “Once Brothers” da ESPN, e chorar muito com uma das mais comoventes histórias que a vida às vezes proporciona a certos indivíduos.
“Once Brothers”, em tradução livre, “Eram uma vez Irmãos”, é um documentário esportivo de 2010 sobre a vida desses dois atletas, um Croata e outro Sérvio, escrito e dirigido por Michael Tolajian, e foi co-produzido pela ESPN e pela NBA Entertainment para a Série “30 for 30” da ESPN.
Divac e Petrovic jogaram juntos pela seleção de basquete Iugoslava de 1986 a 1990, e eram amigos próximos. A Iugoslávia era uma das três potências mundiais do basquete até 1990, ganhando medalha de ouro em Moscou em 1980, e mais 3 de prata e 1 de bronze somente nos jogos Olímpicos de verão, e inúmeras outras medalhas em campeonatos mundiais, europeus, e seus jogadores eram considerados os melhores do mundo.
Foram os dois primeiros Europeus a serem contratados pela gigante NBA. O Croata Petrovic jogava pelo NETS de Nova York, quando em férias em 1993 faleceu em um acidente de carro na Alemanha, e o Sérvio Divac jogou sua última temporada em 2004/2005 pelo Los Angeles Lakers.
Contam que se não tivesse eclodido a guerra da Bósnia em Abril de 1992, a seleção Iugoslava de basquete seria a única que poderia desbancar o “Dream Team” americano naquele ano nas Olímpiadas de Barcelona!
Divac e Magic Johnson
Petrovic
A Iugoslávia foi comandada pelo General Josip Broz Tito até sua morte em meados dos anos 80, quando então começou a entrar em um debate entre extremistas Sérvios e Croatas, fazendo crescer a figura de mais um tirano, Slobodan Milosevic na Sérvia, o qual se tornou a maior figura política promovendo o nacionalismo Sérvio, modificando a Constituição da Sérvia e permitindo a independência de Kosovo como seu primeiro ato como líder Sérvio.
Devido ao extremo nacionalismo Sérvio que Milosevic começava a impor em seu território, além de manter duramente o controle sobre o território de Kosovo, outros territórios também começaram a reivindicar sua independência, incluindo a Bósnia.
Foi o estopim do conflito, pois durante a ruptura total da Iugoslávia no início de 1992, Bósnia Herzegovina declarou sua independência. Muitos Sérvios que viviam na Bósnia se opuseram a isso e proclamaram sua própria República Sérvia nos territórios que eles controlavam.
Infelizmente para os dois amigos Vlade Divac (Sérvio) e Drazen Petrovic (Croata), os conflitos fizeram com que cada um ficasse do lado de seu povo, separando-os inclusive de contatos quando ambos jogavam na NBA durante o período da guerra.
Drazen Petrovic foi vítima de um acidente de carro em 1993 na Alemanha e não viu o fim da guerra, assim como nunca voltou a falar com seu amigo de seleção, e Vlade Divac lamenta até hoje não ter tido a oportunidade de se reconciliar com seu grande amigo.
Modric hoje e com 10 anos de idade na guerra da Bósnia.
A mensagem transmitida ao mundo pelo Croata Rakitic, um dos grandes jogadores desse mundial, ao Sérvio Djokovic, um dos maiores jogadores de tênis da história, antes das duas finais de domingo na Rússia e na Inglaterra no torneio de tênis de Wimbledon, é mais uma demonstração de que o esporte efetivamente une as nações e seus povos.
Rakitic: Nós somos seres humanos, primeiro e principalmente, e nós temos que tentar deixar a história para trás.
O Tenista Sérvio Djokovic entre os amigos Croatas Modrich e Subasic a sua direita e Rakitic e Perisic à sua esquerda.
O documentário “Once Brothers” da ESPN certamente fará o espectador reflexionar sobre tudo, menos sobre o basquetebol, e se emocionar muito também, pois retrata a relação de dois homens, dois atletas do mesmo esporte, dois amigos de juventude e da seleção nacional de seu país, e que inesperadamente se vêem obrigados a cortar uma relação por causa de uma estúpida guerra, como se existisse outro tipo de guerra, pois simplesmente um era Croata e o outro Sérvio.
No Brasil temos o Sérvio Petkovic há mais de duas décadas já radicado em nosso país, e que atuou em vários clubes brasileiros e hoje é figura pública e adorado por todos os brasileiros.
Petkovic no Flamengo
Petkovic no Fluminense
Em Zagreb, capital da Croácia há uma enorme estátua em bronze deDrazen Petrovic
Enquanto Vlade Divac, o Sérvio e Drazen Petrovic, o Croata, brilhavam nas quadras da Europa e dos Estados Unidos no início dos conflitos dos Balcãs, as crianças Modric, Corluka, Mandzukic e Lovren, viram seu mundo desmoronar com a crueldade da guerra.
Modric teve o avô assassinado, Lovren perdeu um familiar, Corluka fugiu do massacre na Bósnia, Mandzukic emigrou para a Alemanha, e de igual forma toda uma nação sofreu com as atrocidades de mais uma guerra, e pouco mais de vinte anos depois temos que saudar a frase do craque Croata Luka Modric quando disse há pouco tempo:
“Você tem que entender uma coisa sobre o povo croata. Depois de tudo o que aconteceu, depois da guerra, somos mais fortes, mais duros”.
Luka Modric não teve uma infância tranqüila, assim como outros companheiros de seleção, pelo contrário, os tiros e as bombas eram freqüentes pois a guerra da Bósnia, com menor tempo de duração e dentro de um só país, foi tão cruel quanto a segunda guerra mundial, pois o processo de independência de cada nação foi bastante cruel.
Luka Modric é um dos croatas que viu a guerra influenciar sua rotina. Seu primeiro nome veio é homenagem ao avô, mas as lembranças dele terminam em uma tragédia, pois viu seu avô Luka ser assassinado por rebeldes Sérvios perto de onde morava, no norte do país, e com seis anos na época, ainda viu sua casa ser incendiada.
Casa onde Modric vivia na infância
Por conta do incidente, Modric e sua família retornaram à cidade natal do jogador em Zadar, como refugiados. Eles passaram a morar em um abrigo para refugiados, o Kolovare Hotel. Ali, o meia do Real Madri teve seus primeiros contatos com a bola.
O camisa 10 da Croácia, que passou a viver num ambiente sem luz elétrica ou água corrente, cresceu num meio nada agradável, porém, afirmou que a infância de dificuldades serviu de motivação para seu crescimento e ainda acrescentou que a força dos croatas vem deste passado difícil.
“O que nós passamos não foi fácil. A guerra nos fez mais fortes. Nós não somos pessoas fáceis de quebrar. É difícil nos quebrar. E há uma determinação para mostrar isso. Para mostrar que podemos ter sucesso” – disse em entrevista ao “Daily Mail”.
Hoje a história triste e macabra dos jogadores da seleção de futebol da Croácia, mas que teve um final feliz é contada nos quatro cantos do mundo, e certamente ficará marcada na mente de milhões de amantes do futebol, ao contrário da história dos seus conterrâneos do basquete que podemos dizer que foi um conto de fadas às avessas, porém, ambas ficarão marcadas eternamente em nossas mentes.
Drazen Petrovic na NBA
Drazen Petrovic na NBA
Por Osvaldo Tetaze Maia.