“Trolagens” Históricas!
Por: Osvaldo Tetaze Maia
“Trollar” é uma gíria que surgiu na era da internet e que significa “zoar, chatear, tirar sarro ou sacanear” os demais participantes de algum grupo ou de algum fórum da internet, com argumentos sem sentido, apenas para enfurecer e perturbar a conversa. A expressão vem do verbo inglês “to troll” (vaguear), e que livremente transformamos no nosso idioma em “sacanear alguém ou um grupo de pessoas”.
Fonte:https://www.significados. com.br/trollar/
A história da humanidade está repleta de fatos que, de uma forma ou outra, dentro de seus contextos e da época em que ocorreram, causaram impactos tão grandes que se tornaram ícones daqueles fatos e também referência à qualquer outro similar no futuro, e esse texto destaca algumas “trolagens” históricas, sem similaridade com os fatos da história principal dessa crônica, mas que servem apenas para ilustrar as diversas ‘feições’ de uma “trolagem”, sem nenhum intuito de criar qualquer tipo de doutrina ou referência histórica!
Por exemplo, a expressão “presente de grego” hoje é referência à famosa batalha na Grécia antiga em que os Gregos ‘presentearam’ os seus inimigos de Tróia, onde hoje é a Turquia, com um enorme cavalo de madeira com soldados em seu interior.
Na realidade, a história conta que após muitas batalhas contra os troianos, os Gregos fingindo terem desistido da guerra embarcaram em seus navios, deixando na praia um enorme cavalo de madeira, que os troianos decidiram levar para o interior de sua cidade, como símbolo de sua vitória.
Cavalo de Tróia
À noite, quando todos dormiam, os soldados gregos que se escondiam dentro da estrutura oca de madeira do cavalo, saíram e abriram os portões para que todo o exército (cujos navios haviam retornado, secretamente, à praia) invadisse a cidade e derrotassem os troianos. Portanto, esse fato pode ser considerado a primeira grande “trolagem” da história, e na história moderna podemos citar uma coleção completa de “trolagens” que foram aplicadas ao longo dos tempos, e que continuam sendo aplicadas muito mais ainda hoje na era tecnológica que vivemos.
Na nossa era, no futebol citamos uma das mais famosas “troladas”, que foi o gol de Maradona contra a Inglaterra no Mundial de 1986 no México, o chamado gol com “La Mano de Dios”, como diria depois Maradona, e que levou o mundo a consternação, pois na época não havia muitos recursos técnicos para verificar a validade do gol, e afinal, a Argentina sagrou-se campeã naquele mundial, e até hoje a expressão (e o ‘famoso gol’) são lembrados como uma das grandes ‘picardias’ do futebol, expressão muito usada na Argentina.
Maradona no Mundial do México em 1986, o chamado gol com “La Mano de Dios”
Podemos ainda citar no ‘segmento’ das trolagens de estelionato’ a famosa ‘venda’ da Torre Eiffel em Paris em 1925, onde o que é considerado o maior ‘vigarista’ da época, o Austríaco Victor Lustig, vivendo em Paris na época leu uma matéria no jornal onde se discutia sobre a viabilidade de manter aquela torre erguida, vez que os custos de sua manutenção eram muito altos para a Prefeitura de Paris na época.
O Austríaco que já havia aplicado um outro famoso golpe, a venda de uma ‘legalizada’ “Money-Printing Machine” (Máquina de imprimir dinheiro), até hoje conhecido como o ‘Money Box Schemme’, viu na notícia da Torre uma oportunidade única de ficar famoso e ganhar muito dinheiro com um novo ‘esquema de golpe’.
Assim, o Austríaco falsificou um documento do Governo Francês onde lhe dava poderes para ‘vender’ o ferro da Torre Eiffel’ que seria desmontada, e convidou seis das maiores empresa de ferro-velho da França para uma reunião
confidencial com cada um dos proprietários no Hotel de Crillon, o mais famoso de Paris na época, e lá Lustig se apresentou como Delegado Geral do Ministério dos Correios e Telégrafos, informando a cada um dos pretendentes na compra da ‘sucata’ da torre, que foram escolhidos por sua ‘grande reputação no ramo e por ser um Empresário honesto’.
Este golpe, dizem os ‘experts’, na forma como foi planejado e praticado, teria êxito mesmo nos dias atuais, tamanha foi a engenhosidade aplicada pelo Austríaco que exigiu sigilo completo de cada um dos ‘pretendentes’ empresários para que a negociação não viesse a público, pois daí não poderia ser negociada dessa forma a sucata da torre. E como a famosa torre foi construída para celebrar a virada do século vinte, e desde a sua concepção ela seria retirada no máximo um ano após o evento, então seria plausível que em 1925 já fosse a hora realmente de ‘derrubar a torre’.
O Austríaco ainda teve que ‘derrubar’ a última barreira da credibilidade da negociação, quando a esposa do empresário ‘escolhido’ para ser o comprador desconfiou do ‘sigilo’ do negócio, e Lustig então teve que ‘confessar’ ao casal que estava fazendo dessa forma pois era a única forma de conseguir alguma ‘propina’ para ter uma vida mais confortável, e assim a dúvida da esposa terminou e concordaram em pagar uma grande soma de dinheiro ao ‘vendedor’, além do valor da sucata ao Governo Francês!
Lustig então recebeu o valor da Sucata da Torre, além de uma grande soma em ‘propina’ que foi levada imediatamente para Viena por seu sócio, e assim, ‘concretizou-se’ um dos mais famosos golpes de estelionato da história. O Austríaco ainda retornou um mês depois à Paris e tentou vender pela segunda vez a torre para outro empresário, que desconfiou e avisou a Polícia, entretanto o Austríaco escapou mais uma vez!
Os que foram lesados pelo golpe, por ‘vergonha’, nem foram à Polícia reclamar, como ocorre na maioria dos grandes golpes desse tipo, e a vida de golpes do Austríaco ainda conta com várias “trolagens” de estelionato:
Fonte https://en.wikipedia.org/wiki/Victor_Lustig
Com uma busca simples na Internet encontramos inúmeras histórias de “trolagens”, algumas muito divertidas, como o caso de um jogo de futebol americano universitário em 1961 entre a Universidade de Washington e a Universidade de Minnesota, o ‘Rose Bowl of 1961’, onde uma outra equipe da Universidade da Califórnia, a “Caltech”, entrou um dia antes no vestiário da equipe da Universidade de Washington e substituiu os cartazes que seriam levantadas pela torcida no jogo no dia seguinte, e na transmissão ao vivo para todo o país, quando a equipe da Universidade de Washington entrou em campo, a torcida levantou os cartazes e formou uma saudação com o nome da “Caltech’, a ‘maior rival deles’, e o país assistiu ao VIVO uma das maiores “trolagens” no esporte mundial!
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Great_Rose_Bowl_Hoax
As ditas “trolagens” são invariavelmente ações pensadas (e planejadas) por quem as pratica, com a finalidade de “zoar, chatear, tirar sarro ou sacanear” alguém ou algum grupo, mas o que eu considero a maior “trolagem” da história da humanidade, maior ainda que o ‘Cavalo de Tróia”, foi praticada à revelia do seu principal personagem, na época, 1935, um bebê com menos de um ano de idade, “Hessy Levisons”.
Esse fato é digno de ser relembrado, pois retrata a total idiotice do regime mais cruel e desumano da história moderna, o regime nazista da segunda Guerra Mundial, onde a busca pela dita “supremacia ariana” poderia ter sido extirpada pela raiz graças a essa “trolagem histórica”, mas infelizmente não foi o que aconteceu, e dentre as incontáveis histórias sobre a Segunda Guerra Mundial, essa é uma das que entendo como a mais significativa demonstração de estupidez e loucura de um homem, por mais que seja tão pouco conhecida.
Hessy Levinsons nasceu em Berlim em 17 de Maio de 1934, filha de pais judeus originários da Letônia, Jacob and Pauline, dois músicos de renome, e hoje, casada com um Americano, Hessy Levinsons Taft ainda vive nos Estados Unidos com 83 anos de idade e é Professora de Química na Universidade de New York.
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Hessy_Levinsons_Taft
Hessy Levinsons Taft, hoje com sua foto famosa do “Bebê Ariano Perfeito”
Essa fantástica história, que eu considero hoje a ‘maior trolagem da história’, por muito pouco não virou mais uma entre os milhões de tragédias provocadas pelo nazismo, pois em 1935, antes de completar um ano de idade, a Mãe de Hessy a levou para uma seção de fotos em um dos mais renomados fotógrafos da Alemanha naquela época. Passado alguns meses da sessão de fotos, a empregada da casa dos Levinsons avisa aos Pais que havia visto a foto do bebê Hessy estampada na capa da maior Revista de Propaganda Nazista, “Sonnie ins Hous” (Raio de Sol na casa, em tradução livre).
Assustada, a Mãe de Hessy foi até o estúdio fotográfico e perguntou ao famoso fotógrafo o motivo da foto de sua filha estar estampada na capa de uma revista de propaganda nazista! Foi aí que obteve a resposta mais inesperada que poderia ter naquela época, pois o fotógrafo era contrário a teoria da “supremacia da raça ariana” (quando ainda era possível ser contra essa teoria naquela época), e então contou à Mãe de Hessy que o “Führer” promoveu um concurso entre os dez melhores fotógrafos da Alemanha para que cada um enviasse dez fotos de bebês, e que seria escolhido o bebê mais bonito para ‘representar’ a beleza e a “supremacia da raça ariana”!
O fotógrafo, conforme sua própria declaração na época, enviou a foto do bebê Hessy juntamente com outras nove fotos, sabendo que era filha de judeus, somente para ‘pregar uma peça’ no partido nazista, ou nos termos de hoje, dar uma “trolagem” no Führer !
E a ironia que poderia ter derrubado a tal da teoria da ‘supremacia da raça ariana’, foi que entre as cem (100) fotografias enviadas ao partido nazista, a eleita como o “bebê mais bonito” foi a de Hessy, filha de pais judeus, e que passou a estampar todas as propagandas nazistas da época em revistas, jornais, cadernos escolares, roupas, e até em cartões postais na Alemanha e na Lituânia.
Mais sobre o assunto: https://www.smithsonianmag.com/smart-news/how-one-1930s-german-photographer-successfully-trolled-nazi-party-180951987/#l3ouV8mOWTjdHzml.99
Bebê ‘ariano ideal’ em capa de revista nazista era judia http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/07/140702_bebe_ariano_judeu_fl
Com o crescimento do regime nazista cada vez mais marcante, em 1938 a família fugiu para a França, e em 1941 escaparam da ocupação nazista emigrando para Espanha e Portugal até conseguir embarcar em um navio para Cuba.Em 1949, os Levinson se estabeleceram nos Estados Unidos, onde Hessy se formou em química na Universidade de Columbia e se casou, em 1959, com Earl Taft. O casal tem dois filhos e quatro netos. Ela ainda leciona química na Universidade de St. John’s, e apesar de sua família mais próxima ter sobrevivido ao holocausto, a maioria de seus parentes foi morta pelos nazistas.
A família de Hessy escondeu sua fantástica história por décadas, inclusive escapou da tentação de contar ao mundo na época em que viveram na França, quando um médico da família ao ver a foto em 1940 notou a beleza da menina, e então a Mãe contou a história daquela foto, e o médico disse que deveriam contar isso aos jornais da França como forma de desmascarar o regime nazista, o que foi veemente negado pelo Pai de Hessy, pois alegava o médico francês que na França agora eles estariam seguros. A história provou o contrário!
Somente em 2014 Hessy Levison Taft revelou ao mundo sua impressionante história, e hoje a famosa foto está exposta no “Yad Vashem Holocaust Memorial” em Israel.
Portanto, por mais que existam incontáveis histórias de “trolagens” em toda a história, a foto do bebê judeu Hessy como propaganda do regime nazista, é, a meu ver, a “maior trolagem da história”, pois ainda hoje prova o grande equívoco de uma nação que hoje é um modelo de país a ser seguido, mas que liderada por um fanático, perpetrou um dos maiores crimes contra a humanidade na época mais sombria e triste do século XX.
Soldado e Bebê ariano “ideal”, segundo a propaganda nazista.
Escultura no extinto Campo de Concentração de Dachau, Alemanha, “NUNCA MAIS”!