O Boxeador

0
1570

Foto – Arcevo do Valter Aleixo – Horto Florestal em Goiânia

Por Valter Aleixo

Nos fins-de-semana, o horto florestal de Goiânia ficava lotado de visitantes. Eram de todos os tipos: jovens, adultos, famílias; pequenas e numerosas, vendedores e oportunistas de todas as espécies.

Foto – Arcevo do Valter Aleixo – Horto Florestal em Goiânia

Certo dia apareceu um senhor japonês por lá, com um jovem garoto, que o acompanhava.

Chegaram até o bambuzal, ao lado da escadaria que dava para o Lago das Rosas, e o senhor japonês foi logo fazendo um círculo no chão batido, com um pedaço de pau. Em seguida, abriu uma sacola que tinha dois pares de luvas de box.

Foto – Acervo do Valter Aleixo – Horto Florestal em Goiânia

As pessoas, curiosas, foram se aproximando. O senhor japonês explicou que estava ali para fazer apostas; que convidava qualquer garoto para lutar com o seu boxeador, o garoto que o acompanhava, naquele círculo, e que as apostas começavam a partir de Cr$5,00 cruzeiros por luta.

Foto – Wikipédia, a enciclopédia livre.

As pessoas se entreolharam, aguardando o primeiro voluntário.

O lutador do senhor japonês era um garoto franzino, cara fina, e sem grandes pretensões. Não disse uma só palavra desde que chegou naquele lugar. Parecia ter uns nove anos, como eu.

Fonte – Pintura do Genial artista brasileiro Tony Paraná

Após alguns minutos, apareceu o primeiro garoto. O senhor japonês ajudou-o a colocar as luvas. O seu garoto já tinha as suas colocadas.

Apostas feitas quase iguais para ambos os lados, começa a luta.

Foto – Wikipédia, a enciclopédia livre.

Após poucos segundos, o garoto de senhor japonês, que contava com golpes fortes e precisos, já tinha ganhado a luta do primeiro voluntário, que quase não teve reação.

Em seguida apareceu outro garoto, que acabou tendo o mesmo destino, perdendo a luta logo no começo. Um terceiro garoto resistiu um pouco mais, mas acabou perdendo, igual que seus antecessores.

Meu tio Antônio, assistindo à tudo aquilo, resolveu que o sobrinho dele – sim, eu mesmo! – ia participar também.

Foto – Acervo do Valter Aleixo – Tio Antônio

– Aposto que cê pode quebrar a cara desse guri! – foi me dizendo.

Achei que o meu tio tinha ficado louco! Como ia lutar com um garoto pugilista que havia ganhado todas as lutas até aquele momento? Além disso, eu jamais tinha lutado box na minha vida.

– Vamos lá, mostre pra esse moleque que ele num é de nada! – me incentivou meu tio.

Apesar de estar aterrorizado, não queria decepcioná-lo, pois ele parecia ter bastante confiança em mim.

– Quero que cê faça de tudo pra ganhar. Se precisar, jogue até terra nos olhos dele – me aconselhou.

Embalado pelo entusiasmo do meu tio, e imaginei que, após três duelos, o garoto já deveria estar cansado e a luta já não seria tão difícil assim.

Foto – Acervo do Valter Aleixo – Valter Aleixo

Aceitei a proposta.

Meu tio virou-se par o senhor japonês e disse:

– Aposto que esse menino num ganha do meu sobrinho – com um certo tom de convicção e arrogância.

Sem hesitar por um momento, o senhor japonês pergunta:

– Quanto o senhor quer apostar?

– Dez cruzeiros – disse meu tio, autoritário; confiante.

– Aceito! – respondeu, enfático, o senhor japonês.

Diante da confiança exagerada do meu tio, a maioria das apostas foi ao meu favor.

Luvas postas, começa a luta.

Fonte – Pintura do Genial artista brasileiro Tony Paraná

Não tive nem tempo de reagir e o garoto já estava dando socos por toda parte do meu rosto: vinham da direita, da esquerda, por baixo, por cima; por todos os lados! E eu esperando uma trégua para reagir. Que nada! Os sopapos vinham sem parar e eu ficando cada vez mais atordoado. O garoto, implacável, não me deu a menor chance.

Finalmente caio no chão com o rosto pegando fogo; catarro escorrendo pelo nariz e lágrimas descendo pelo rosto.

Foto fonte – Wikipédia, a enciclopédia livre.

Atordoado, mas, por um breve segundo, lembrei-me do que disse meu tio: “se precisar, jogue até terra nos olhos dele”. Desesperado, tento apanhar um pouco de terra, mas as luvas não me permitem. São grossas demais! Não consigo pegar nada!

E tome mais bordoadas!

Os olhos começam a inchar e os lábios, partidos, a sangrar profusamente. Já não enxergo quase nada!

A turma do deixa-disso, incluindo meu tio, finalmente reage, e vêm ao meu socorro.

Meu tio, consternado e, ao mesmo tempo decepcionado, especialmente por ter perdido os seus Cr$10,00 cruzeiros, abaixa-se e me diz:

Foto fonte – Wikipédia, a enciclopédia livre.

– Seu bosta! – num falei que se precisasse, poderia até jogar terra nos olhos dele? Cê podia ter dado pezada; cuspido na cara dele; podia fazer o que quisesse, mas tinha que ganhar! Cê feiz eu perder dez cruzeiro – falou, indignado.

Sua pergunta e comentários ficaram sem resposta. Estava muito humilhado, machucado e decepcionado para dar-lhe qualquer tipo de explicação. Sentia-me culpado de tê-lo feito perder seu dinheiro e, mais que tudo, sua confiança.

Foto – Arcevo do Valter Aleixo – Valter Aleixo

As pessoas que ali estavam, escutaram o que ele disse e lhe perguntaram por que ele mesmo não lutava, se gostava tanto de luta, ou “será que era covarde?”

A palavra “covarde” pareceu atingir-lhe como uma martelada na cabeça: ninguém, mas ninguém mesmo, ia questionar a sua coragem e seu machismo. Era maranhense dos machos; macho mesmo! E, lá na sua cidade natal de Viana, matavam até por muito pouca coisa!

Com o seu brio questionado, levantou-se e disse que lutaria com quem quer que fosse e até dobraria a quantia da aposta.

Tirou o dinheiro do bolso e ficou desafiando a todos, gesticulando com o braço.

Fonte foto – Wikipédia, a enciclopédia livre.

Silêncio total.

O meu tio tinha intimidado a todos. Tinha deixado todos apavorados.

Todos… menos um.

De repente, um senhor negro alto, do tipo humilde e calado, toma um passo adiante e diz:

Fonte – Pintura do Genial artista brasileiro Tony Paraná

– Aceito!

O senhor japonês, satisfeito, imediatamente começa a colocar as luvas no meu tio.

– Minha aposta é para o oponente – foi logo dizendo para o meu tio.

– O problema é seu – disse meu tio – com ar de que não só iria recuperar o dinheiro perdido do sobrinho, mas, também, ia ganhar dez cruzeiros.

Em seguida, o senhor japonês coloca as luvas no adversário.

Apostas feitas, começa a luta.

Meu tio começa a pular de um lado para outro, com o senhor negro só acompanhando seus movimentos. Meu tio dava seus socos e o senhor negro apenas se defendia.

Foto –  Do Genial artista brasileiro Tony Paraná

Depois de algum tempo com aquela dança, o senhor negro finalmente deu um soco, fulminante, na cara do meu tio que o fez cair, duro, no chão.

Escutou-se um ohhh…

Quando o vi no chão, imóvel, achei que ele tinha morrido! As pessoas, curiosas, se acercaram querendo ver o que tinha acontecido com ele.

Os segundos seguintes pareceram eternos! Ele ficou lá, quieto, como um defunto, com a cara no chão.

“Acho que morreu mesmo”, pensei. Mil e uma coisas se passaram pela minha mente: fiquei imaginando o que diria à nossa família sobre a morte do meu tio – e, também, da reação deles: “Que história maluca era aquela de desafiar alguém para lutar box se nunca nenhum dos dois tinha passado nem perto de uma academia?”

Fonte – Pintura do Genial artista brasileiro Tony Paraná

Mas, para a minha surpresa e alívio, ele, aos poucos, foi dando sinal de vida.

O senhor negro, todo preocupado, o ajuda a se levantar.

Atordoado, meu tio não sabia se tinha sido atropelado por um boi ou atingido por um raio – ou ambos.

Após alguns segundo voltou completamente a si e deu-se conta do que havia sucedido.

Tive uma grande vontade de perguntar-lhe por que ele não jogou terra nos olhos de seu oponente; por que não o chutou e cuspiu na sua cara?

Voltamos para a casa em silêncio.

Talvez não fosse o melhor momento para aquelas perguntas.

Por Valter Aleixo.

Artigo anteriorEspelho da Vida e a Regressão
Próximo artigoRoberto Carlos em Houston, Texas – Show deslumbrante de luzes coloridas.
BIOGRAFIA ****** Sérgio Lima, ex-jogador profissional de futebol, natural de Campos dos Goytacazes, começou sua carreira no Americano onde jogou em todas as categorias e foi campeão Estadual no ano de 1969. Em 1970, transferiu-se para o juvenil do América do Rio, tornando-se artilheiro da Taça Guanabara de 1973 e vice-artilheiro brasileiro Carioca de 1973. Em 1974, sua história foi ilustrada luxuosamente com o Internacional de Porto Alegre, Hexa Campeão Gaúcho invicto. Em 1975, formou um excelente time do Guarani de Campinas, com grandes jogadores, Ziza, Amaral,Renato, Miranda, Davi, Alexandre Bueno, Edinaldo, Erb Rocha, Sergio Gomes, Hamilton, Rocha. que foi base do Campeão em 1978. Em 1976, transferiu-se para o futebol mexicano onde ficou por 8 anos: Club Jalísco, e Atlas Fútbol Club ambos da cidade de Guadalajara, Morélia da cidade de Morélia, Michoacan e Union de Curtidores da cidade de Leon, Guanajuato. Em 1984, retornou ao Brasil para o Botafogo do Rio. ****** Em 1985 foi contratado pelo Cabofriense, da cidade de Cabo Frio,estado do Rio, onde encerrou sua carreira. Presente em Guadalajara na Copa do Mundo 1986 no México, trabalhou como comentarista esportivo na rádio local chamada "Canal 58" de Guadalajara. Após a copa do Mundo de 1986, começou sua trajetória de 30 anos, nos Estados Unidos da América,, onde foi convidado pela Universidade de Houston Texas, através do seu responsável o excelentíssimo Professor Franco para participar como instrutor do “Cugar Soccer Summer Camp” durante duas semanas. Na sequência, depois de várias participações, em diferentes Soccer Camps no Texas, fundou, oficializou e legalizou a Brazilian Soccer Academy com o apoio espetacular do grande amigo Skip Belt. Com experiência de muitos anos dentro do campo, passou conhecimento e os fundamentos básicos do futebol do Brasil para um número incontável de jovens americanos. ****** Convidado pelo consulado Mexicano, idealizou e apresentou o projeto Houston Soccer After School Program para City of Houston Park and Recreation em 1994, para benefício de crianças e jovens entre 6 a 17 anos. Isso ocorreu na área metropolitana da cidade, onde concentrava a grande maioria de crianças e jovens negros e mexicanos, na época estavam com extremo e grande problema social que os envolvia com drogas e as abomináveis gangues. Desafio aceito, e o programa foi desenhado, aproveitando a infraestrutura dos Parks da cidade. O passo a passo foi dividido em três fases básicas: 1 - Criou-se liga em cada Park, onde havia jogos entre eles. 2 – Todos os meses havia Torneios entre todos os Parks. 3 - Criou-se seleções para jogarem contra jovens das outros áreas, e diferentes estados, sempre cuidando com os mínimos detalhes dos dispositivos e ensinamentos básicos do respeitado futebol do Brasil, para atrair e motivar a todos. O requisito principal era estar e manter boas notas e presença na escola, para desfrutar dos benefícios, recebendo gratuitamente todos os materiais de primeira linha doados por um conhecido patrocinador. Finalmente, aos 17 anos tinham a oportunidade de receber uma bolsa de estudos para ingressar em uma universidade americana. Foi apresentado e aprovado e Sérgio se transformou em funcionário público da cidade de Houston por 17 anos, até a sua aposentadoria. Muitíssimos jovens foram beneficiados pelo programa mudando radicalmente suas vidas, as drogas e gangues desapareceram. Sérgio fez o curso de treinador da Federação Americana de Futebol, recebendo a "Licença National B' e assumiu como Coach principal da South Texas Soccer Select Team Open Age From 1994 to 1996, tornando-se o primeiro treinador brasileiro e negro "Afrodescendente" a dirigir a Seleção do Sul do Estado do Texas. ****** No ano de 1992, Fundou o Jornal Vida Brasil Texas, tornou-se editor, onde ficou por 28 anos, sendo 24 anos impressos e os últimos 4 anos digital em português. Fundou em 2004, a Revista Brazilian Texas Magazine, é seu Editor . A revista até 2015 foi impressa, em 2016, passou a publicação digital em inglês. ****** 1 - Compositor, teve participação do CD Brasil Forever 1997 da Banda brasileira no criada no Texas em 1993 com finalidade de promover a cultura do Brasil. Banda “Atravessados de Houston” – Texas, com tiragem de 10 mil CDs. Sérgio Lima teve a participação com 10 músicas 8 autorais e mais duas com parcerias. 2 - Compositor da música “I Love Rio”, escrita e inglês em homenagem ao Rio de Janeiro, com a luxuosa interpretação da excelente Elicia Oliveira em ingrês (Está disponível no YouTube). https://www.youtube.com/watch?v=l39hfwOkyYU&t=18s ****** Representou a comunidade brasileira do Texas na I Conferência “Brasileiros no Mundo”, realizada em maio de 2008, com uma extrema característica acadêmica. ****** A II Conferência “Brasileiros no Mundo”, realizada em outubro 2009, se desenvolveu com uma acentuada conotação política, tornando, em certos momentos, o diálogo tenso, desconfortável e, até certo ponto, cansativo, devido à falta de elasticidade de algumas lideranças, acostumadas, creio, a pontuar e determinar o rumo das conversas e decisões, em suas áreas ou comunidades no Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, de iniciativa da Fundação Alexandre de Gusmão – FUNAG, órgão ligado ao Ministério das Relações Exteriores – MRE. ****** Sérgio criou o espaço Brasil especial na Biblioteca central da cidade de Houston e conseguiu doações de livros de algumas instituições das comunidades brasileiras de outros estados americanos para compor o espaço. Recebeu o Prêmio Brazilian International Press Ward, por 3 vezes, em reconhecimento pelos trabalhos como editor do Jornal Vida Brasil Texas em português, e revista Brazilian Texas Magazine em inglês – 2011. ****** ORIGINAL ARTICLE “AFRO DECENDENTES NA MÍDIA BRASILEIRA”. You are a winner for the 15th Annual Brazilian International PRESS AWARDS. Your outstanding performance and contribution for the Brazilian Culture was recognized by the Media and Cultural Leaders of the Brazilian Community in the United States. Join us for the 15th celebration of the Brazilian Cultural presence in the U.S. The Award Ceremony will be held at the Cinema Paradiso • Fort Lauderdale May 3rd 2012.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui