Eunice (esposa), Carla Thamu e Manuela Thamani (filhas).
Nasci em Santa Inês, Bahia, em 1954. Quando tinha um ano de idade meus pais migraram para o Rio de Janeiro. Em 1960 viemos para São Paulo e cá ficamos. Ainda no início da adolescência tinha o ímpeto de ler tudo que me era possível. Fui afortunado de ter havido nas Bancas de Jornal uma edição literária denominada JORNALIVRO.
Fonte foto – Wikipédia, a enciclopédia livre.
Tratava-se de consagrados escritores romancistas – brasileiros e estrangeiros – cujos livros eram impressos em papel jornal, todavia em tamanho menor. Como comparativo ele tinha o mesmo formato do que viria a ser o Pasquim e o Jornal Movimento já nos anos 1970. O mais importante é que eu podia comprar por que o preço era irrisório, no valor presente seria em torno de R$ 5,00. Daí se deu a minha iniciação no universo da leitura. A minha iniciação política ideológica se deu no término da minha adolescência, com um senhor igualmente pobre como eu, e também negro, operário da construção civil e militante do proscrito, à época, Partido Comunista do Brasil. Toda vez que eu invocava a existência do racismo em nossa conversa ele dizia que era por conta da luta de classes e que bastava extirpar o capitalismo e implantar o comunismo que o racismo deixaria de existir. Eu insistia em contrapor que não seria tão simples assim devido o racismo estar incrustado na sociedade brasileira, mas ele sempre com um sorriso apaziguador me dizia: “Você ainda é muito jovem, um dia ira entender”. Há muito deixei de ser jovem e continuo contrapondo tal pensamento.
Ainda no término da minha adolescência iniciei a minha a minha militância no Movimento Negro, de onde nunca saí. Em 1970 entrei na Escola Técnica federal de São Paulo e lá aguçou a minha consciência racial, pois no vestibularzinho, dos 4.000 candidatos às 560 vagas não vi negros. Na sua esmagadora maioria havia brancos e um grande contingente de descendentes de orientais. Depois já cursando, identifiquei somente mais dois sendo que um já estava no segundo ano. Em 1976 entrei na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Um fato interessante aconteceu: Quando me inscrevi em um cursinho específico para o vestibular eu perdi alguns dias devido pertencer a uma entidade denominada Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas – IBEA, que era presidido pelo sociólogo Clovis Moura, e, sobretudo por estar na organização de um ciclo de palestra cujo tema era “O Racismo No Brasil” e que além do Clovis Moura teríamos outros notórios palestrantes, tais como, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Otávio Yanni, etc. Findo o ciclo, no primeiro dia que fui para o cursinho, a segunda aula era intitulada de Geografia Física e a Influência Social dos Rios: Sena (França), Tâmisa (Inglaterra), Mississípi (EUA), Volga (Rússia), Amarelo (China) e Nilo (África).
Fonte foto – Wikipédia, a enciclopédia livre. – O Rio Nilo em Asuán.
O professor, ao se referir a cada rio, explanava uma narrativa histórica em cerca de 3 a 4 minutos e quando chegou a vez do rio Nilo ele simplesmente disse que ficava na África e voltou a falar do rio Amarelo.
Ora, havia acabado de sair de um ciclo de palestra sobre o racismo. A atitude do professor por não ter narrativa histórica sobre a influência social do rio Nilo, achei desrespeitosa e por isto levantei, fui embora e não mais voltei, ainda que já havia pago pelos dois meses que era a duração do cursinho. Quando da festa de confraternização de calouros e veteranos, na faculdade, ele apareceu em momento que estávamos em um grupinho de quatro pessoas e veio nos cumprimentar. Eu aproveitei a deixa e o indaguei sobre sua postura naquela aula, se tinha sido de desconhecimento histórico do rio Nilo ou se eu poderia interpretar como uma manifestação de racismo? Ele me pediu desculpas, disse que não foi intencional e para provar que não era racista convidou-me para ir à casa dele no sábado seguinte para redigir uma resenha sobre a ausência do negro na Universidade de São Paulo-USP, e lá chegando deparei-me com dois estudantes negros, um de economia, Milton Barbosa – que recebeu a brilhante antropóloga negra americana Ângela Gillian, em 1973 – e o Rafael Pinto, estudante de ciências sociais, ambos da USP.
Milton Barbosa Rafael Pinto
Estes dois estudantes tornaram-se expoentes na criação do Movimento Negro Unificado – MNU, lançado nas escadarias do Teatro Municipal em 1978, e até hoje somos amigos. Portanto, perdoei, naquele encontro, o professor Gilson. Casei-me aos 25 anos de idade e tenho uma família maravilhosa à qual muito me orgulho. Minha esposa, Eunice, atua na área de produtos para mulheres negras e está lançando um site com sua marca registrada “ETNIAS”
Minha filha, Carla Thamu, se formou em Direito no Instituto Presbiteriano Mackenzie, é Procuradora do Município de São Paulo, tem fluência em inglês e espanhol. Minha segunda filha, Manuela Thamani, se formou em Administração de Empresa na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, é Diretora Comercial e de Novos Negócios em uma empresa privada, tem fluência em inglês, espanhol e francês. Quando jovem escrevia poesias, parei por longos anos, retomei recentemente.
Esposa, filhas, irmã, sobrinhos e genros.
ENTREVISTA
Adinaldo Souza
*
VB – Você é natural de que estado?
AD – Natural do estado da Bahia – Santa Inês
VB – Qual a sua opinião a respeito do Brasil atual?
AD – É de muita tristeza devida à abrupta ruptura do estado democrático de direito através de um golpe protagonizado pelo legislativo em consonância com o judiciário e alimentado diuturnamente pelos grandes meios de comunicação com destaques para o Grupo Globo (denunciada nesta quarta-feira 22 junto à Procuradoria Geral da República, ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica e ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, em detrimento de uma denúncia de corrupção no judiciário americano), Jornal Folha de São Paulo e revista Veja; que resultou na retirada de uma presidenta honesta e democraticamente eleita pelo povo e substituída por uma quadrilha – assim alguns jornalistas adjetivam – sob a liderança do ex- vice-presidente (denunciado no Supremo Tribunal Federal por crimes de corrupção) que está literalmente eliminando todas as conquistas sociais de outrora, arrasando a economia e dilacerando o patrimônio e a soberania nacionais.
Minha irmã Graça
VB – Você tem algum candidato para as próximas eleições para presidência do Brasil ?
AD – Sim, votarei no ex-presidente Lula, obviamente se as forças reacionárias coexistidas nos poderes da república: parlamento/executivo/judiciário e mídia (a mídia hoje paira acima dos poderes republicanos) – enfatizando serem elas protagonistas do hoje estado de exceção -, por algum fator inusitado não tiverem êxito no impedimento da candidatura do Lula, estarei votando nele.
VB – O que você acha da celebração do Dia da Consciência Negra?
AD – Acho de extrema importância a celebração deste dia, não só para refletir, mas também para denunciar, enfrentar e combater o racismo institucionalizado em vigor neste país há séculos e que se acomete contra a maioria da população brasileira que é negra (O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística registra que a população negra compreende 54% da população brasileira). Também é de supra importância para contrapor e desmistificar a celebração do dia 13 de maio que não nos enaltece tendo em vista que alimenta o mito de que uma pessoa branca do poder vigente à época tenha proclamado a “libertação” com a lógica de mera benevolência, a despeito das forças políticas antiescravagistas que operavam no Brasil e na Inglaterra. Ademais, dizer que dera a liberdade a um povo que fora sequestrado em África e obrigado a trabalhar no cativeiro por 354 anos para depois, sem nenhuma indenização, ser colocado às margens do processo sócio/econômico e de onde nunca saiu? comemorar o que? Cabe ainda refletir que no ano de 1888 deu-se a tal libertação. No ano de 1889 deu-se a proclamação da república e no ano de 1891, portanto 3 anos após libertação o governo brasileiro deu todos os tipos de benesses sócio/econômicos para a vinda de 30.000 europeus para substituir a mão de obra até então escravizada e detentora de 354 anos de know-how. Daí por diante nunca cessaram com as praxes semelhantes e sistemáticas de desconstrução da humanidade do povo negro. Portanto 20 de novembro é por demais importante ser celebrado.
VB – Cite 3 importantes personagens que fizeram diferença na sua vida.
AD – Zumbi dos Palmares, Luís Gama e Nelson Mandela.
VB – Você vê alguma evolução positiva, ou crescimento nestes últimos 10 anos da inclusão da população negra em todas as áreas no Brasil? Educação, saúde e oportunidade de trabalho?
AD – Só uma observação: nos últimos 10 anos implica em quase 2 anos do governo Temer, pois este, como já disse, está eliminando todas as conquistas sociais de outrora, e, por conseguinte vou me reportar aos 13 anos do governo Lula e Dilma. Sim, muitas evoluções positivas ocorreram neste período, sobretudo por ser a população negra majoritária logo todas as políticas sociais impetradas nos governos Lula e Dilma beneficiaram direta e exponencialmente a população negra.
Relaciono abaixo algumas das políticas sociais as quais me refiro:
- Bolsa Família;
- Luz Pra Todos;
- Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti);
- Brasil Alfabetizado e Educação de Jovens e Adultos;
- Programa Universidade Pra Todos (Prouni);
- Minha Casa, Minha Vida;
- Bolsa Atleta;
- Mais Médicos;
- Programa Fome Zero;
- Brasil Carinhoso;
- Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec);
- Ciências Sem Fronteira;
- Fundo de Financiamento Estudantil (Fies);
- Cotas Para Negros Nas Universidades Federais e Escolas Técnicas Federais;
- Cotas Para Negros Nos Serviços Públicos Federais;
- Secretaria da Igualdade e da Promoção Racial (SEPPIR) – status de ministério;
- Construção de 422 Escolas Técnicas Federais, 18 Universidades Federais e 173 Campi;
- Geração de 20 milhões de empregos com carteira assinada;
- Política de Valorização do Salário Mínimo;
Existem mais, todavia relacionei as mais impactantes para a inclusão da população negra. Acrescento que milito no Movimento Negro desde o inicio dos anos 1970; meu nome é Adinaldo José de Souza e a composição da minha família é: Eunice (esposa), Carla Thamu e Manuela Thamani (filhas).
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Por Sergio Lima.
Parabéns ao jornalista Sergio Lima por esta bela reportagem. Souza é muito firme e lúcido em suas convicções politica-ideológicas. Um militante ativo do Movimento Negro Brasileiro que abre a sua casa para discutirmos questões de interesses do Brasil, especialmente para refletirmos sobre assuntos relacionados aos interesses da populção negra brasileira.
Belíssima reportagem!!
Excelente matéria, parabéns Jornal Vida e colaboradores.
É de suma importância contar, inspirar e avivar os nossos sonhos com exemplos de luta e resistência de pessoas como o Sr. Adinaldo de Souza, já conhecia parte de sua trajetória, porém esta matéria outro detalhes bastante ricos que, certamente, guiará e fortalecerá a caminhada de muitos jovens e adultos.
Adinaldo, o homem que defendeu o rio Nilo e que defende toda a África mãe em toda sua modalidade de extensão.
Viva vidaBrasil de Adinaldo de Souza PARABÉNS!!
Com todas as políticas sociais implementadas (e sabidas por nós) com vistas à auxiliar a etnia negra na alavancagem de nossa ascensão social, não vimos (como educadores) uma maciça volta aos bancos escolares que consideramos o #empoderamento dos empoderamentos, mas em discursos (de Mov. Negros) aqui e ali vemos uma clara mostra de nosso povo (militante) em apontar apenas e tão somente o cerceamento de nossos passos pela outra etnia, sem que esses movimentos nos apontem caminhos estratégicos para avançarmos com mais vigor em direção à parte que nos cabe no Latifúndio chamado Brasil, (para galgarmos outros postos disponíveis) fica-nos uma pergunta, será que fomos educados e programados por cabeças de pensamento escravizado? quer nos parecer que os movimentos negros assim como nós, não estamos em movimento (nem físico ou mental) porque não conseguimos sair desse atoleiro mental (acusatório) em apontar o outro como causador de nossas desgraças, ainda em pleno século XXI, parece uma visão modorrenta de cérebro de quem quer mas não pode, o movimento negro dessa contemporaneidade parece ter falhado na implementação de medidas “mais arejadas” para nós (já que dizem trabalhar por nós) que acompanhem essa tal modernidade informatizada de mundo líquido de Baumam,…hoje é, amanhã não é mais…talvez Nadine Gordimer (escritora sul africana) que dedicou-se a dramatizar as difíceis escolhas morais surgidas numa sociedade marcada pela segregação social, esteja certa quando diz que o negro sul africano perde tempo ao discutir o passado segregacionista e sangrento de África do Sul, enquanto o presente possível se vai, transformando-se em passado doloroso tal qual o passado/passado, quando na e da graduação nos ensinam que DEVEMOS SER, os Autores/atores do novo por vir, mas não é o que vemos nas “cabeças pensantes” de dentro e de fora dos movimentos negros atuais, “os nossos orientadores”? pena.
Grande entrevista! Tenho o privilégio de ser amigo do Adinaldo há mais de 40 anos e de ter, em todo este tempo, trocado muitas ideias e aprendido muito. Devo dizer que se hoje tenho alguma consciência do racismo no Brasil devo isso em grande parte às discussões que travamos todos esses anos. Admiro acima de tudo a coerência da trajetória política do Adinaldo. Parabéns!
Excelente matéria do jornal VB! Parabéns, querido amigo Adinaldo! Você é uma o qual tenho uma enorme admiração pela sua postura combativa em defesa do negro e pelo seu rico conhecimento. É sempre bom conversar contigo.! Um fraterno abraço!
Um depoimento maravilhoso, registra a história de uma geração, o ressurgimento do movimento negro nos anos !970, que carregava sonhos , utopias, que deixou marcas profundas na recente história em nosso país. Adinaldo indica a seu lado autodidata, desbravador, de família e de lutas e conquistas.
Adinaldo é poeta, que em breve promete publicar seus textos para deixar um registro para as próximas gerações. Seu lado inquietante, preocupado com as questões sociais indica que há muito por fazer. Há ainda muitas batalhas,
Ótima entrevista!
Dedicação, personalidade e carisma. Sobre o Adinaldo eu poderia destacar muitos traços que revelam a sua postura e comprometimento com o lado bom da vida.
Contudo, a sua trajetória pessoal, ao lado da família e da nobre e sofisticada esposa – Eunice, se destaca pelo seu embate contra a desigualdade de classes e a discriminação de cor e gênero.
Vejo que diante dos seus ideais de reparação e transformação em favor de uma sociedade justa e menos hipócrita, valeu muito o seu inconformismo, a sua curiosidade de saber e sua militância junto ao Movimento Negro. Passos significantes para a evolução que vem do aprendizado e da experiência de personagens destemidos e mentes brilhantes de várias gerações.
Os amigos agradecem o seu entusiasmo e suas opiniões sinceras e desafiadoras, mas sim, também
discordam quando necessário!
Enfim, esse é nosso grande desafio. Pluralidade de ideias e unidade nas ações que visam a luta contra o preconceito e a intolerância. Parabéns pelo seu depoimento e pela sua arte de viver!
É muito importante uma revista como essa num Brasil como o de hoje. Quando os ódios de classe se manifestam de forma tão veemente. Embutido nesse ódio está o racismo que submete o negro ao mais odiento regime de opressão. Quando vim para São Paulo, em 1968, vindo do interior do Estado, tive a grande sorte de conhecer Adnaldo. Nada sabia eu de racismo. Havia um grande ponto de interrogação dentro de mim. Adnaldo mostrou-me que existia um grande muro invisível a separar os brancos dos negros. Ele foi o grande mestre a me ensinar como esse sistema estava errado. Que era preciso, se não mudá-lo, pelo menos lutar contra ele. Com lutas e poesia Adnaldo permanece coerente ao que vi nele há 40 anos.
Parabéns ao jornal Via Brasil pela matéria. Me sinto honrado em fazer parte do círculo de amigos do Adinaldo há mais de 3 décadas, uma pessoa admirável pela consciência política e determinação nas questões raciais. Obrigado pelo seu constante apoio e ensinamentos.
Parabenizo o jornalista Sérgio Lima da Vida Brasil Texas ,por nos enaltecer com a entrevista do Sr. Edivaldo Jose de Souza.
Valter Nei
Sérgio Lima quero parabenizá-lo pela bela matéria. Forte abraço !
Ao amigo Adinaldo, quando olhamos para o nosso lado e vemos alguém que está sempre presente, uma pessoa que nunca nos deixa desanimar, só podemos estar gratos, amigos que nos dão palavras de coragem e que lutam para nos ver felizes são raros hoje em dia. Parabéns !!
Parabens pela bela e verdadeira reportagem o Adinaldo é uma pessoa de muita luta.
adalberto
Parabéns Sergio Lima .Através suas reportagens temos o prazer e a honra de conhecer mais um brasileiro
esclarecido e lúcido do racismo no Brasil,enganjado nesta luta desigual.Vamos continuar batalhando pela únca forma de libertação ,a EDUCAÇÃO.
Obrigado! Dr.Jorge,você é também, um maravilhoso e genial exemplo
para todos nós. Grande abraço.
Meu amigo….mais de quarenta anos…a minha consciência em ser negro …começou quando o conheci …ainda jovem..e a mantenho até hoje…questionávamos e discutíamos muitas coisas…..enxergava com respeito a diferença do seu nível intelectual em relação ao meu….mas..nunca me desrespeitou e nem me humilhou..pelo contrário..nos confraternizávamos sempre…..show …você merece tudo isso.