Por Doutoranda Luciana Dornelles Ramos.
O movimento que deu origem a tudo isso se iniciou em 2019, quando um grupo de pessoas negras criou o movimento “Café Preto”, momento onde saíamos da virtualidade para nos vermos presencialmente, compartilhando reflexões, leituras, debates, mas também e não menos importante, o lazer.
“Wakanda é aqui” era o nome do grupo de whatssap de onde organizávamos esses movimentos, e logo começamos a ficar mais próximos, mais amigos, estando juntos em festas, parques, bares e churrascos. Deste mesmo grupo surgiu o questionamento, “que atenção estamos dando para a nossa saúde?” e a partir deste debate, eu, Luciana Dornelles Ramos e meu amigo e colega de profissão Kauê Kamaú, fomos provocados a pensar o Afrofit Projeto. Optamos por realizar uma aula teste, no Parque da Redenção, e depois desta aula, nunca mais paramos.
Logo, nosso caminho se cruzou com outro integrante do projeto, Gelson Luis Vidarte Junior, estudante de Educação Física, que estava sempre por perto nos treinos, nos auxiliando sempre que necessário, e, em diálogo com Kauê entendemos que convidar o Gelson para participar oficialmente do projeto, seria uma maneira de oferecermos para ele uma formação em sua construção profissional diferente da que havíamos vivido como estagiários quando estudantes, e nesta parceria, estamos os três unidos até hoje, crescendo e aprendendo juntos como pessoas e como profissionais.
Percebemos que grande maioria dos alunos e alunas que chegavam até o nosso projeto relatavam um desconforto muito grande nos ambientes de academia, e diziam encontrarem no Afrofit um espaço de aquilombamento, cuidado e acolhimento, diferente de suas experiências em outros espaços promotores de saúde. Entendemos o Afrofit então, como um projeto voltado para a saúde da população negra, pois em uma sociedade que historicamente maltrata corpos Pretos, cuidar de corpos negros é revolução.
Nem sempre foi fácil, enfrentamos muitas dificuldades para manter o projeto vivo, desde estrutura-lo, pensar os valores, não deixando de pensar as vulnerabilidades do público alvo do projeto, mas a pandemia com certeza foi nosso maior desafio. Cancelamos as aulas presenciais em função do isolamento social necessário naquele momento, mas sentimos a necessidade de estarmos juntos e nos reinventar a partir das aulas online, que acabaram sendo fundamentais para a manutenção da nossa saúde física e mental em um período tão difícil.
A questão financeira também é um grande desafio, somos 3 professores e fazemos o máximo para manter um valor acessível, pois encontramos no projeto uma maneira de retornar aos nossos, a oportunidade que tivemos de estudar em uma instituição pública, gratuita e de qualidade (UFRGS).
Existe uma narrativa de que no Rio Grande do Sul não tem negros, mas como dizem os Poetas Vivos na música Toma rajada, “Tem Preto no Sul”. O que acontece é que existe uma cultura higienista aqui que “empurra” nossos corpos para as periferias da cidade. Quando acessamos outros espaços, o racismo e os racistas nos dizem a todo o momento e de diversas maneiras que não somos bem vindos. O Afrofit é uma maneira de romper com essa barreira e criar nosso próprio espaço de cuidado, acolhimento e Amor Preto. Temos na cidade o Parque da Redenção, que foi um grande Quilombo e território de resistência negra em Porto Alegre.
Como o racismo muitas vezes se materializa em forma de apagamento de nossa história (não atoa o nome do parque foi alterado para Parque Farroupilha), buscamos retomar essa autonomia da população negra, ocupando o Parque da Redenção para nossas aulas, como já fizeram nossos ancestrais. Juntos, fortalecendo uns aos outros, podemos também valorizar nossas potências para que possamos criar mais espaços nossos, mas também para que ocupemos cada vez mais espaços, juntos, e não de maneira solitária como geralmente acontece.
As aulas do Afrofit são abertas por uma leitura inicial e reflexão sobre alguma literatura negra, afinal a filosofia africana nos ensina que não devemos separar corpo e mente, e embaladas por músicas de artistas negros, iniciamos nossos exercícios que envolvem Ginástica com o peso do corpo e treinamento funcional. Mesmo que seja uma aula em grupo, por sermos três profissionais conseguimos atender as especificidades de cada aluna, adequando de maneira cuidadosa os exercícios para que nossa aula não se torne excludente, para que o Afrofit seja para elas um ambiente de acolhimento e cuidado.
Sonhamos um dia ter um espaço voltado para a saúde da população negra, um espaço para diversas modalidades de ginástica e dança, assim como para profissionais da psicologia, nutrição, fisioterapia e outras áreas da saúde. Um espaço nosso para o cuidado dos nossos. Quem sabe, afinal “nós somos o sonho dos nossos ancestrais”.
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Por Doutoranda Luciana Dornelles Ramos.