Por Osvaldo Tetaze Maia.
Em 2017 publiquei aqui na Revista a crônica “Idiossincrasia Futebol Clube”, com algumas reflexões sobre o futebol mundial, mas sem qualquer análise sobre o ‘jogo do futebol’ propriamente dito, nem tampouco fiz análises sobre qualidades técnicas das equipes de futebol, pois como lá citei, “longe de mim fazer qualquer comentário sobre ‘futebol’, em um país com dezenas de milhões de comentaristas e técnicos de futebol”.
E como o foco das duas matérias, de 2017 e a de agora é o mundial de clubes da FIFA, onde as finais foram com o Real Madrid, destaco somente as conquistas da equipe ‘merengue’ como exemplo de hegemoneidade dos clubes do futebol Europeu.
Repetindo, destaco que a palavra “Idiossincrasia” é de origem Grega e que significa o “temperamento peculiar”; é uma característica comportamental ou estrutural, peculiar a um indivíduo ou grupo. (idiosyncrasy em inglês – idiosincrasia em espanhol).
O que relatei naquela crônica foi simplesmente minha visão sobre a soberania do futebol Europeu frente ao futebol brasileiro e sul americano, e por conseguinte, sobre o futebol mundial. E finalizei aquela matéria com a frase da UEFA, e que ora iniciarei esta nova crônica:
UEFA: “O Real Madrid é o Clube melhor administrado da Europa”. E as boas administrações econômicas terminam, cedo ou tarde, em êxito desportivo.
Bem, de 2017 até agora parece que nada mudou, e se mudou, foi lá no hemisfério norte, pois por aqui continua tudo igual no nosso futebol, que repito, é um berço de ‘craques’ que invariavelmente ‘somem’ daqui direto para o futebol Europeu.
Real Madrid comemorando o seu oitavo título mundial no Marrocos em 2023
Vini Junior, um dos principais jogadores do Real hoje em dia.
Contra fatos e números não há argumentos, velho jargão que cabe em qualquer esfera e campo, e como aqui estamos falando de futebol, abaixo destaco novamente a relação de campeões e vice-campeões do Mundial de Clubes da FIFA até 2021. Some-se a esses números, mais um título do Real Madrid nesse último fim de semana.
Campeões e vice-campeões do Mundial de Clubes da FIFA (desde 2000)
Flamengo Campeão da Libertadores em 2022.
Discussões a parte, deve-se notar que a FIFA reconhece agora a Toyota Intercontinental Cup como uma competição global, mas não como uma competição de clubes por ela realizado, portanto, a relação acima cabe o Flamengo com o título de Campeão Mundial de 1981, independente do que a FIFA ‘pensa ou pensava’!
Japão, 1981, único título de Campeão Mundial do Flamengo.
Para os que se interessarem sobre a História do Campeonato Mundial de Clubes da FIFA, destaca-se que é uma competição substituta da Copa Intercontinental, que decorreu de 1960 a 2004. A Copa Intercontinental foi uma tentativa de identificar o melhor time do mundo, mas contou apenas com times das confederações CONMEBOL e da UEFA.
E outro dado mais importante ainda, é que Pelé é o maior artilheiro de todos os tempos da competição da Copa Intercontinental, enquanto o AC Milan é o time com o melhor desempenho, tendo vencido a competição três vezes e terminado em segundo lugar quatro vezes.
Em 2000, o Mundial de Clubes da FIFA foi formado e a primeira final foi uma partida totalmente brasileira entre Vasco da Gama e Corinthians. O Corinthians venceu por 4 a 3 nos pênaltis no Estádio do Maracanã.
Corinthians, primeiro Campeão do Mundial da FIFA
Depois de 2000, a competição foi interrompida e relançada em 2005, tendo adaptado o formato atual, que vê sete equipes competirem em um torneio eliminatório direto ao longo de duas semanas.
Os vencedores das seguintes competições classificam-se para o Campeonato Mundial de Clubes da FIFA:
- Liga dos Campeões da UEFA
- Copa Libertadores da América
- Liga dos Campeões da CAF
- Liga dos Campeões da CONCACAF
- Liga dos Campeões da AFC
- Liga dos Campeões da OFC
- Com a adição do campeão nacional da nação anfitriã
Como destaquei na primeira crônica sobre esse tema, o que comento aqui é uma particular (e modesta) reflexão e comparação sobre a relação entre os “grupos” de entidades desportivas, que se dedicam ao futebol aqui no Brasil e na América Latina, e os “grupos” Europeus, pois sempre se escuta falar (ainda) sobre a “esmagadora” superioridade do Real Madrid frente as demais equipes brasileiras e sul americanas.
Oras, pois que os Clubes de Futebol daqui se espelhem nos resultados dos Clubes Europeus, planejem, preparem-se para as próxima décadas, enfim, saiam desse labirinto interminável de má gestões, má administração, maus resultados, tentando uma saída rápida (do labirinto) e ganhar títulos imediatamente, ou nos conformemos com sermos os ‘melhores’ aqui no Brasil e às vezes na América do Sul, e pronto, e como dito anteriormente, “continuem sempre com déficit financeiro, sem dinheiro em caixa, e com raríssimas exceções, trocando seis por meia-dúzia!”
Exposição de Troféus de Copas Europeias e Mundiais de Clubes do Real Madrid.
Assim como a crônica anterior sobre esse tema, repito, essa é uma singela análise sobre a estrutura do futebol e da “idiossincrasia” dos Europeus, vez que, como já disse, já presenciei ao longo de minha vida, muita coisa relacionada ao futebol mundial, visitei muitos países, Clubes de Futebol, e sempre me perguntei, por que uma das maiores ‘fontes de rendas’ do esporte mundial, o futebol brasileiro, perde de goleada para qualquer campeonato ou time de futebol Europeu quando o assunto é “Economia e Finanças”? Será a nossa tal “idiossincrasia”?
E uma vez mais cabe aqui a frase da UEFA:
UEFA: “O Real Madrid é o Clube melhor administrado da Europa”. E as boas administrações econômicas terminam, cedo ou tarde, em êxito desportivo.
E como o assunto aqui ‘não é futebol’, e sim sobre ‘finanças do mundo do futebol’, cabe a informação sobre o potencial econômico do Real Madrid, que após a morte do ditador Francisco Franco (1975) a Espanha viveu o período de Transição Democrática, no qual houve um grande processo de abertura política e econômica.
Os efeitos dessa abertura do Estado espanhol foram sentidos no futebol, as décadas de 1980, 1990 e 2000 foram marcadas por mudanças profundas, que podem ser entendidas como parte do processo de globalização do futebol espanhol.
Presidente Florentino Perez, quase duas décadas de vitórias.
Para compreender a formação do “time de galácticos” do Real Madrid é preciso considerar a abertura do mercado Europeu De 1996 a 2005, valendo-se de uma política neoliberal e da mercantilização dos jogadores de futebol, o Real Madrid contratou a base dos “galácticos”: Roberto Carlos, Luís Figo, Zinedine Zidane, Ronaldo, David Beckham e Sergio Ramos.
O então presidente do clube, Florentino Pérez se baseou na antiga ideia de Bernabéu de contar com os melhores jogadores do mundo, mas agora se valendo da lógica mercantil do futebol mundial. A opção por contar com os melhores (e mais caros) jogadores do cenário mundial fizeram o Real Madrid assumir uma estratégia econômica-empresarial.
Em termos esportivos o clube merengue conquistou, no período de 1996 a 2005, quatro títulos da Liga e três Liga dos Campeões da UEFA, ajudando a construir a identidade de um clube vitoriosos, moderno e global.
Uma cidade poli esportiva completa.
Visita com meu filho Felipe a ‘Ciudad Real Madrid’ em 2011.
Ciudad Real Madrid’
E com isso veio a revitalização do Estádio Santiago Bernabeu, ao custo de mais de 700 milhões de Euros, totalmente financiado por bancos privados, onde o Real Madrid não precisou dar nenhuma garantia hipotecária, somente tem o compromisso de quitar sua dívida através das rendas do Clube!!
Projeto final do novo Estádio Santiago Bernabeu em Madri com previsão de término de obras em Junho de 2023.
Com um perfil financeiro sólido, os bancos mundiais fazem de tudo para ter em sua carteira de clientes as grandes equipes do futebol Europeu, como é o caso do Real Madrid.
Em algumas páginas na Internet é fácil a comprovação desse negócio:
https://elpais.com/deportes/2019/04/12/actualidad/1555092039_609864.html
El Real Madrid firma la financiación del nuevo Santiago Bernabéu
El importe total de la obra será de 575 millones de euros, a un plazo de 30 años, y un interés fijo de 2,5%, sin tener que aportar ningún tipo de garantía hipotecaria.
Merrill Lynch y JP Morgan dan 575 M al Real Madrid para el nuevo Bernabéu
Los dos bancos americanos asumen la financiación de las obras de remodelación del viejo estadio mediante un préstamo en el que también participarán Santander y CaixaBank
No mais, caso queiram relembrar e comparar com a situação atual, releiam a crônica de 2017 e façam um reflexão sobre o tema, para não continuarmos torcendo para uma chegada na final de um Mundial, mas sempre ‘pipocando’ contra as equipes europeias.
https://www.realmadrid.com/en/news/2020/06/11/all-of-the-latest-news-on-the-santiago-bernabeu-of-the-21st-century
Exemplo suficiente já temos da nossa seleção de futebol, que desde 2002 não conseguiu mais nenhum título de uma Copa do Mundo, e para os nossos padrões, isso é inaceitável!
Aqui repito que também dirão, ‘ora, mas na Europa é diferente’! Mas é lógico que é diferente, lá os clubes de futebol são um negócio rentável, pois operam como uma empresa privada que tem o produto esportivo mais cobiçado do mundo, e por isso, somente por isso, tem que dar lucro o ano todo, e daí temos o que é hoje o futebol Europeu, pois há trinta anos não era assim, até que entenderam que deveria haver ‘planejamento e aprimoramento’ se um dia quiserem ser times grandes!
Os torcedores, turistas ou não, sentem-se impulsionados a gastar nas dependências dos clubes europeus, pois a infraestrutura de recepção é excelente, e com isso a geração de receitas cresce continuamente, como uma grande empresa que ‘vende’ seus bons produtos aos seus clientes, simples assim!
Um chopp no Barça Café em Camp Nou.
E mais ainda, como entender que nossos Clubes de futebol, com as maiores torcidas do mundo, alguns com o número de torcedores quase o igual à população da Espanha, com o outrora melhor futebol do mundo, deixaram escapar essa oportunidade de ouro que foi a ‘revolução no marketing esportivo’ que houve a partir da década de 80; como que ficaram estagnados com todos os novos ‘players’ (Empresas do Oriente médio, Chineses, Russos, Asiáticos, etc.) que viram esse mercado gigantesco florescendo?
Volto a dar meu parecer: é a tal da “idiossincrasia” de nossa gente, é a nossa ‘característica comportamental’, e isso também está incrustado na forma como sempre vimos o futebol, “um dom natural do brasileiro que nenhum outro povo tem igual, e isso faz com que as vitórias, se não forem imediatas não servem, o futuro é hoje e basta”! Planejar o que, e para que?
Com meu filho Felipe e minha nora Tuca em Barcelona.
Ora, dirão também, mas no futebol Europeu os Clubes tem jogadores de vários países, de vários Continentes e podem formar várias seleções! E daí? Aqui na América do Sul também pode, só que falta dinheiro para os Clubes, que nem salário em dia pagam aos seus jogadores, com raríssimas exceções, e quando pagam em dia promovem isso como uma ‘vitória’ e não como uma obrigação.
Como o Real Madrid, poderia dar exemplos de uma dezena de clubes Europeus, mas o foco hoje é a equipe ‘Merengue’, que há décadas vem sendo o “bixo-papão’ dos nossos clubes de futebol!
Com meu amigo Braulio Dallavechia, proprietário da Dalla Cervejaria, de Chapecó/SC, e também Conselheiro da equipe de futebol da Chapecoense, em recente viagem a Bélgica e Alemanha.
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Por Osvaldo Tetaze Maia.