Fonte foto – Arquivo pessoal de Ariel Seleme
Por Ariel Seleme
Ontem sonhei com meu tio, frei Aurélio. Passava da meia noite ou do meio dia, não sei. Ele me chamou para uma cerveja. Fui. Duas garçonetes me serviram algo dourado. As cores na parede falavam de guerra distante, com vozes de pessoas passadas.
Meu tio olhava a parede do bar.
– Veja, Ariel. Todas as repostas estão ali.
Era um cilindro infinito que girava, girava, girava. No fundo vi uma mulher nua que se chamava Dolores. Índia, morena, nua, com cores variando do laranja ao marrom.
Dançava. Girava. Meu olhar olhava a índia nua e não via respostas, só paredes multicores em tons lilás.
Fonte foto – Wikipédia, a enciclopédia livre.
– Quarentena. Me disse Dolores.
– É hora de falar com o eu. Ajoelhei e a garçonete me trouxe outra. Bebi.
Meu tio gritava.
– Os índios sempre têm razão, são civilizações milenares.
Fonte foto – Wikipédia, a enciclopédia livre.
A índia pegou a minha mão.
– Quero falar de Deus. São muitos. São todos em um. São vozes que gritam no ouvido de surdos. São cegos que veem o infinito. O líquido dourado descia. Pedi perdão. Perdão. São tantas culpas. Talvez em outra vida venho consertando. Dois jovens traziam uma bandeja prateada, nela vi olhos, cabelos e orelhas. Ouvi vozes (aliás, um livro muito bem escrito e a venda na amazon.com).
Meu tio gritou.
– Escute seus sonhos. Meia noite é meio dia, e todos os sinos de todas as igrejas falam para os vivos. Não enterre seu corpo sem encontrar suas repostas. Quais são? Quantas são?
Fonte foto – Wikipédia, a enciclopédia livre.
Desci uma escada que ficava no fundo do banheiro do bar. Vi luzes em forma de chamas, ouvi sons e uivos caninos (auulll). Sal da terra. Sol da terra. Som da vida. O líquido dourado me refrescava naquele calor do subsolo.
Quarentena. Quarta parte da eterna lenda. Eterna são as pessoas. São, por que não? Amigos. Me cobriram com o manto de luz, do talvez. Duvidei da anfibologia dos sons que chegavam em lamentos. O manto me confortava. Sem fome, sem medo, sem dúvida.
Fonte foto – Wikipédia, a enciclopédia livre – Representação gráfica de consciência do século XVII.
– Olhe a parede. Olhe seus olhos. A quarentena te avisa: não há outra vida. Chega de neuroses. Controle seu eu, seu ego, seu idi, seu superego. São só duas notas no som da vida: o sim e o não, o certo e o errado, a dor e o amor. Escutei a música vinda da parede. Só duas notas, só dois tons, só duas vibrações dum piano distante.
– Sempre será isso. Gritava a índia.
– Ton, tan, ton, tan… gritava e dançava.
A melodia batia nas cordas do piano. Como somos solitários neste planeta perdido nos confins do universo. Tão pouca vida para tantos erros. Sempre o sim e o não, o certo e o errado, o amor e o ódio, o preconceito e a aceitação.
Fonte foto – Wikipédia, a enciclopédia livre.
– Ton, tan, ton, tan, ton, são os sons da vida. A escolha é nossa. O relógio não para. Gritava meu tio padre.
Dançava a índia. Dançava o padre. Quarentena. Hora de encontrar o compasso da vida.
Ton, tan, ton, tan.
Olhei o relógio, marcava 15 minutos para acordar… Estou enlouquecendo, ou “mais louco é quem me diz que não é feliz?”.
Por Ariel Seleme