Crônica – Quilombo aéreo: “quantos pretos precisam pra mudar a cor do céu?”

3
2737

Por Kênia Aquino Garcia.

***

Eu Kênia Aquino Garcia, não consigo lembrar exatamente em que momento começou minha paixão pelo céu. Mas lembro de morar a infância inteira em um lugar alto que me permitia ver o pôr do sol no reflexo do morro das antenas, no bairro Partenon em Porto Alegre. Essa foi sem dúvidas uma das lembranças mais marcantes do início desse amor.

Nessa época da vida era comum eu me flagrar olhando pro céu e imaginando que haviam formas, cores e coisas totalmente diferentes lá em cima. E não somente isso, eu gostava de imaginar que logo atrás do morro das antenas já era a cidade de São Paulo.

Fonte foto – https://quilomboaereo.com.br/2021/02/02/loren-ipsum-2/.

Fui crescendo e entendendo que meu maior pesadelo era acordar aos 50 anos e perceber que passei a vida toda trabalhando no mercado do bairro e não conheci nada além da minha cidade. Próximo dos meus 16 anos minha mãe teve a oportunidade de nos levar pra viajar de avião pela primeira vez e aí lembro perfeitamente da sensação de frio na barriga e do turbilhão de informações e sentimentos que seguiram depois daquele dia. Descobri que havia uma visão ainda mais bonita das nuvens, e que olhar elas de cima pra baixo tinha uma espécie de magia.

Naquele dia, com toda maturidade errante dos meus 16 anos ficou decidido que eu ia trabalhar acima das nuvens e vivenciar todos os dias aquela magia. Não tive nenhuma dúvida de que isso ia acontecer, a dúvida era: Como fazer isso?

Para uma menina negra da periferia, nunca havia sido uma possibilidade ser comissária de voo, eu nem sabia direito o que era voo. Sabia que existiam aviões, logicamente, mas não era algo que eu e minha família tínhamos em mente quando pensávamos em possibilidades de profissionalização. Não havia nenhum familiar piloto, não morava nenhuma aeromoça na nossa rua.

Fonte foto – https://viracoposaeroparking.com.br/tem-medo-de-viajar-de-aviao-entenda-porque-voar-e-seguro/.

Naquele mesmo ano eu comecei a trabalhar, e a sonhar com tudo o que tinha planejado pra minha vida profissional. Levei alguns anos pra conseguir enfim pagar o curso, e quando comecei o curso muitos não acreditavam em mim, alguns dos meus familiares duvidavam que eu conseguiria de fato voar.

Só que, quando se tem propósito e fé as montanhas se movem mesmo. Comigo, aos poucos e com muitas mãos ajudando, as montanhas foram se movendo. Nessa época eu fazia o que dava pra fazer, criei rifa, fiz viagem de 18 horas de ônibus, dormi no sofá dos colegas, dos amigos de familiares, um bolo pra vender ali ou aqui, enfim tudo era válido.

Precisei de quatro tentativas de processos seletivos sendo a maioria fora de minha cidade natal até enfim conseguir minha sonhada vaga para trabalhar como comissária de voo. E em 2008 decolei de vez e fui viver aquela que seria a melhor fase da minha vida. Seria o paraíso “viver” as nuvens de cima para baixo diariamente, se não fosse o racismo.

“Primeira turma de comissários de voo exclusivamente para negros do Brasil”

Precisei Olhar nos olhos do racismo todos os dias a bordo, entendendo que a estrutura racista queria que todas as mulheres e homens pretos passassem os mesmos maus bocados que eu passei para chegar ali. E essa foi só uma das descobertas que foi fazendo eu perder o brilho, perder a vontade e perder a alegria de voar.

Depois de muitos anos apanhando do racismo eu decidi que não mais seria “Aeropreta”. Estava cansada de conviver com as dores da discriminação velada, os horrores do racismo descarado e acabei por me afastar do trabalho alguns meses por aconselhamento do meu terapeuta. Quando voltei estava pronta para pedir as contas. Mas a vida ela é uma montanha russa e quando chegou a hora de eu desistir de tudo e pousar de vez, encontrei outras comissárias negras que vivenciaram a mesma coisa que eu: Racismo a bordo todos os santos dias.

Nossa primeira Pilota Preta, Laiara Amorim e Kênia Aquino Garcia.

Era uma doença silenciosa e nós não éramos as pessoas doentes, porém acabávamos adoecidos por viver aquilo.

Quando nos encontramos não sabíamos ao certo o que seria de nosso encontro, porém não demorou muito pra entendermos o motivo de termos nossos caminhos cruzados. O Quilombo aéreo chegou de repente e veio para trazer luz a um problema que a aviação fingia que não existia. Éramos enfim o primeiro coletivo de comissárias, comissários e pilotos negros da aviação civil brasileira e não estávamos mais nos sentindo sozinhos nesse ambiente.

Desde 2018 estamos trabalhando arduamente para fazer a diferença em nossa área e vamos seguir com nossos projetos e nosso propósito: trazer equidade racial para o céu do Brasil.

“Primeira turma de comissários de voo exclusivamente para negros do Brasil”

O primeiro edital que o coletivo Quilombo Aéreo foi aprovado foi através do Fundo Baobá, um edital de lideranças femininas que apoiou principalmente a Laiara Amorim nossa primeira Pilota Preta do Quilombo aéreo que é também uma das pessoas responsáveis por me fazer seguir voando naquele fatídico ano em que eu achei que teria perdido a batalha pro Racismo.

De lá pra cá muitas coisas boas aconteceram, inclusive nossa aprovação no segundo edital do Quilombo Aéreo! Dessa vez vinculado a plataforma da Benfeitoria, que nos permitiu criar o projeto PRETOS QUE VOAM. Esse projeto é atualmente o menino dos meus olhos e ele basicamente consiste em um programa de bolsas de estudos para pretos periféricos de baixa renda. Ele foi nesse último ano nosso maior foco de trabalho e nos permitiu vivenciar coisas inimagináveis quando começamos.

Jessica Carneiro, foi uma das alunas selecionada no primeiro edital.

Formamos dia 20 de novembro de 2021 a primeira turma de comissários de voo totalmente negra da aviação civil brasileira, e a festa foi realizada na sede de uma sociedade  chamada Floresta Aurora,  que foi fundada ainda antes do fim da escravização, por pessoas escravizadas. Naquela sociedade onde nossos alunos celebraram a conclusão do curso, os pretos costumavam se reunir para comprarem as alforrias uns dos outros.

Não tem coisa mais simbólica do que dar asas e liberdade aos nossos do mesmo jeito que nossos ancestrais faziam. Nossos alunos desse projeto são pessoas diversas, temos mães solo, pessoas LGBTQIA+, temos a primeira comissária de voo quilombola, é a história sendo feita e a dor que nos foi apresentada através do racismo sendo transformada em amor, cuidado e carinho.

“Primeira turma de comissários de voo exclusivamente para negros do Brasil”

Depois de nossa primeira formatura continuamos trabalhando, e estivemos com nossa segunda vaquinha para dar prosseguimento ao trabalho do Quilombo Aéreo. Arrecadamos o valor necessário para agora em 2022 abrirmos nossa própria instituição de ensino, e é assim senhoras e senhores que vamos finalmente mudar a cor do céu.

Se eu pudesse hoje encontrar aquela menina lá do Partenon que tinha medo de acordar aos 50 anos com uma rotina enfadonha e sem ter descoberto o que tinha atrás do morro das antenas eu diria poucas coisas, dentre elas eu diria que ela poderia ficar tranquila porque ela já nasceu com as asas abertas. É só uma questão de tempo pra decolagem acontecer.

E o Quilombo aéreo chegou pra mostrar a todas as meninas e meninos que estão na periferia que tem muito mais coisas acima das nuvens do que eles podem sonhar e que o céu NÃO É um limite.

***

Por Kênia Aquino Garcia.

Artigo anteriorValfredo Santos, comenta o encontro dos brasileiros de Houston, em Copacabana.
Próximo artigoArte & Cultura – Academia Cearense de Literatura de Cordel.
BIOGRAFIA ****** Sérgio Lima, ex-jogador profissional de futebol, natural de Campos dos Goytacazes, começou sua carreira no Americano onde jogou em todas as categorias e foi campeão Estadual no ano de 1969. Em 1970, transferiu-se para o juvenil do América do Rio, tornando-se artilheiro da Taça Guanabara de 1973 e vice-artilheiro brasileiro Carioca de 1973. Em 1974, sua história foi ilustrada luxuosamente com o Internacional de Porto Alegre, Hexa Campeão Gaúcho invicto. Em 1975, formou um excelente time do Guarani de Campinas, com grandes jogadores, Ziza, Amaral,Renato, Miranda, Davi, Alexandre Bueno, Edinaldo, Erb Rocha, Sergio Gomes, Hamilton, Rocha. que foi base do Campeão em 1978. Em 1976, transferiu-se para o futebol mexicano onde ficou por 8 anos: Club Jalísco, e Atlas Fútbol Club ambos da cidade de Guadalajara, Morélia da cidade de Morélia, Michoacan e Union de Curtidores da cidade de Leon, Guanajuato. Em 1984, retornou ao Brasil para o Botafogo do Rio. ****** Em 1985 foi contratado pelo Cabofriense, da cidade de Cabo Frio,estado do Rio, onde encerrou sua carreira. Presente em Guadalajara na Copa do Mundo 1986 no México, trabalhou como comentarista esportivo na rádio local chamada "Canal 58" de Guadalajara. Após a copa do Mundo de 1986, começou sua trajetória de 30 anos, nos Estados Unidos da América,, onde foi convidado pela Universidade de Houston Texas, através do seu responsável o excelentíssimo Professor Franco para participar como instrutor do “Cugar Soccer Summer Camp” durante duas semanas. Na sequência, depois de várias participações, em diferentes Soccer Camps no Texas, fundou, oficializou e legalizou a Brazilian Soccer Academy com o apoio espetacular do grande amigo Skip Belt. Com experiência de muitos anos dentro do campo, passou conhecimento e os fundamentos básicos do futebol do Brasil para um número incontável de jovens americanos. ****** Convidado pelo consulado Mexicano, idealizou e apresentou o projeto Houston Soccer After School Program para City of Houston Park and Recreation em 1994, para benefício de crianças e jovens entre 6 a 17 anos. Isso ocorreu na área metropolitana da cidade, onde concentrava a grande maioria de crianças e jovens negros e mexicanos, na época estavam com extremo e grande problema social que os envolvia com drogas e as abomináveis gangues. Desafio aceito, e o programa foi desenhado, aproveitando a infraestrutura dos Parks da cidade. O passo a passo foi dividido em três fases básicas: 1 - Criou-se liga em cada Park, onde havia jogos entre eles. 2 – Todos os meses havia Torneios entre todos os Parks. 3 - Criou-se seleções para jogarem contra jovens das outros áreas, e diferentes estados, sempre cuidando com os mínimos detalhes dos dispositivos e ensinamentos básicos do respeitado futebol do Brasil, para atrair e motivar a todos. O requisito principal era estar e manter boas notas e presença na escola, para desfrutar dos benefícios, recebendo gratuitamente todos os materiais de primeira linha doados por um conhecido patrocinador. Finalmente, aos 17 anos tinham a oportunidade de receber uma bolsa de estudos para ingressar em uma universidade americana. Foi apresentado e aprovado e Sérgio se transformou em funcionário público da cidade de Houston por 17 anos, até a sua aposentadoria. Muitíssimos jovens foram beneficiados pelo programa mudando radicalmente suas vidas, as drogas e gangues desapareceram. Sérgio fez o curso de treinador da Federação Americana de Futebol, recebendo a "Licença National B' e assumiu como Coach principal da South Texas Soccer Select Team Open Age From 1994 to 1996, tornando-se o primeiro treinador brasileiro e negro "Afrodescendente" a dirigir a Seleção do Sul do Estado do Texas. ****** No ano de 1992, Fundou o Jornal Vida Brasil Texas, tornou-se editor, onde ficou por 28 anos, sendo 24 anos impressos e os últimos 4 anos digital em português. Fundou em 2004, a Revista Brazilian Texas Magazine, é seu Editor . A revista até 2015 foi impressa, em 2016, passou a publicação digital em inglês. ****** 1 - Compositor, teve participação do CD Brasil Forever 1997 da Banda brasileira no criada no Texas em 1993 com finalidade de promover a cultura do Brasil. Banda “Atravessados de Houston” – Texas, com tiragem de 10 mil CDs. Sérgio Lima teve a participação com 10 músicas 8 autorais e mais duas com parcerias. 2 - Compositor da música “I Love Rio”, escrita e inglês em homenagem ao Rio de Janeiro, com a luxuosa interpretação da excelente Elicia Oliveira em ingrês (Está disponível no YouTube). https://www.youtube.com/watch?v=l39hfwOkyYU&t=18s ****** Representou a comunidade brasileira do Texas na I Conferência “Brasileiros no Mundo”, realizada em maio de 2008, com uma extrema característica acadêmica. ****** A II Conferência “Brasileiros no Mundo”, realizada em outubro 2009, se desenvolveu com uma acentuada conotação política, tornando, em certos momentos, o diálogo tenso, desconfortável e, até certo ponto, cansativo, devido à falta de elasticidade de algumas lideranças, acostumadas, creio, a pontuar e determinar o rumo das conversas e decisões, em suas áreas ou comunidades no Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, de iniciativa da Fundação Alexandre de Gusmão – FUNAG, órgão ligado ao Ministério das Relações Exteriores – MRE. ****** Sérgio criou o espaço Brasil especial na Biblioteca central da cidade de Houston e conseguiu doações de livros de algumas instituições das comunidades brasileiras de outros estados americanos para compor o espaço. Recebeu o Prêmio Brazilian International Press Ward, por 3 vezes, em reconhecimento pelos trabalhos como editor do Jornal Vida Brasil Texas em português, e revista Brazilian Texas Magazine em inglês – 2011. ****** ORIGINAL ARTICLE “AFRO DECENDENTES NA MÍDIA BRASILEIRA”. You are a winner for the 15th Annual Brazilian International PRESS AWARDS. Your outstanding performance and contribution for the Brazilian Culture was recognized by the Media and Cultural Leaders of the Brazilian Community in the United States. Join us for the 15th celebration of the Brazilian Cultural presence in the U.S. The Award Ceremony will be held at the Cinema Paradiso • Fort Lauderdale May 3rd 2012.

3 COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui