Fonte – Foto – A enciclopédia livre – http://desciclopedia.org/wiki/Turdus
Por Valter Aleixo
Valter, disse o Dário, meu amigo do horto florestal, em Goiânia. – Vi um ninho de sabiá lá no pé de munguba e vou lá em casa buscar o meu estilingue. – Espere aqui.
Após alguns minutos, voltou armado e me conduziu até à mungubeira, perto do Lago das Rosas. O ninho do sabiá estava num galho alto, quase escondido. Podia-se ver que a fêmea estava lá, chocando os seus ovos.
Foto – Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre
O Dário armou o seu estilingue com uma pequena pedra que agarrou no chão. “Não vou esticar muito, para não matar o passarinho”, disse, mirando o estilingue em direção ao ninho.
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O passarinho veio rodopiando, de galho em galho, até cair esperneando no solo, visivelmente ferido no peito. Num impulso, o Dário agarrou-o, ficando com as mãos avermelhadas com o sangue do passarinho, que debatia-se tentando escapar, em vão.
Em seguida, o Dário pediu para que eu segurasse o passarinho e subiu na mungubeira para pegar o ninho. Desceu segurando o ninho, com a mão esquerda, com três filhotes recém-nascidos abrindo o bico, freneticamente, buscando comida… ou a mãe.
Fonte – Juliano Lima
Levamos a família de sabiás para minha casa e os acomodamos em uma das gaiolas de passarinho do meu pai, numa árvore ao lado dos banheiros que ficavam do lado de fora da casa. A fêmea quase não se mexia e a pusemos de lado do ninho num canto. Depois colocamos água e alpiste em pequenos recipientes – e fomos jogar bola na quadra do horto.
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À tarde, quando regressamos, vimos que um novo passarinho, junto à gaiola, tentava alimentar os filhotinhos, com as minhocas que trazia no bico. Percebemos logo que se tratava do macho, que, naturalmente, havia presenciado todo o drama de sua família e nos seguido até minha casa.
Ao se dar conta da nossa presença, voou assustado e ficou num galho de uma árvore, nos observando de longe.
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Eu e o Dário tivemos a ideia de abrir a gaiola, escorando a porta com um pequeno pedaço de graveto, para que o macho entrasse também. Ficamos observando à distancia. Após alguns minutos, o macho desceu e, depois de dar umas voltas, finalmente, entrou na gaiola. Enquanto alimentava os filhotes, corremos e retiramos o graveto que fechava a portinha. Pronto, agora tínhamos toda a família dos sabiás!
O macho se debatia de um lado para o outro, tentando escapar. Mas estava preso e não tinha a menor chance de sair dali. Fomos procurar minhocas. Voltamos com um monte delas e as jogamos dentro da gaiola. O macho seguia debatendo-se de um lado para o outro. A fêmea continuava imóvel no seu canto e os filhotinhos ficando mais agitados, com as cabeças se movendo de um lado para outro e os bicos abertos, suplicando por algo.
Fonte – Foto – A enciclopédia livre – http://desciclopedia.org/wiki/Turdus
Achamos que, com tanta minhoca e alpiste na gaiola, o macho, ao sairmos dali, iria cuidar da sua família. À noite, quando voltei lá, percebi que a fêmea já não se mexia. Empurrei-a com o dedo e nada. Estava morta. E o macho mais agitado ainda, voando, amedrontado, de um lado para outro, especialmente quando enfiei a mão na gaiola para remover a fêmea. A ferida que o Dário lhe impusera, tinha sido mais grave do que imaginávamos.
Enterrei-a ao lado da árvore, onde estava a gaiola. E fui dormir.
De manhã, ao visitar os meus prisioneiros, deparei-me com uma cena que partiu o meu coração: O macho voava, descontrolado, entre o ninho e as barrinhas de ferro da gaiola; para baixo e para cima! Todos os seus filhotes haviam morrido!
Fonte – Foto – A enciclopédia livre – http://desciclopedia.org/wiki/Turdus
As minhocas tinham ressecado e grudado no fundo da gaiola.
Naquele momento, aos oito anos de idade, enternecido com o destino daquela família de sabiás, dei-me conta de que a natureza não precisa da nossa ajuda; que ela é autossustentável e que nós, por egoísmo e satisfação pessoal, destruimos as coisas mais belas da vida, quebrando os seus encantos.
Tirei a gaiola da árvore e coloquei-a no chão.
Ajoelhei-me ao seu lado, abri sua portinha e fiquei observando o sabiá voar, perdido, sem rumo.
Por Valter Aleixo.