Origem: Fotos Wikipédia, a enciclopédia livre. Transtornos do humor
Por: Ariel Seleme
É fundamental que a pessoa que está sofrendo por alguma razão fale sobre esse sofrimento e que haja gente ao seu redor para ouvir o seu relato e com ela interagir
Dois suicídios cometidos por alunos adolescentes de uma mesma escola num prazo de 15 dias alarmaram as famílias paulistanas e trouxeram o velho assunto ao centro do debate mais uma vez. Sempre que o tema suicídio volta para a pauta, um novo elemento é acrescentado. As pessoas, as famílias e as instituições parecem que vão aprendendo cada vez mais como melhor lidar com essa tragédia. As escolas promovem discussões com pais e especialistas para entender melhor um fenômeno que não é brasileiro, mas global.
Origem: Fotos Wikipédia, a enciclopédia livre.Transtorno de ansiedade generalizada
Em dez anos, a taxa de suicídio no Brasil de jovens entre 15 e 24 anos subiu 60%. Entre mais jovens, de 10 a 14 anos, cresceu ainda mais, 65% no mesmo período. Muitas pessoas dizem e escrevem que estamos vivendo uma epidemia de suicídios no país. Não é bem assim, o Brasil tem taxas para as diversas idades que variam de 0,18 a 4,2 suicídios por cem mil habitantes. Abaixo da média global, que é de 5,5 por cem mil. Há um fato inegável, contudo: as taxas de homicídio crescem sem parar há 50 anos.
Origem: Fotos Wikipédia, a enciclopédia livre. (Litografia de Vincent van Gogh, 1882)
O que existe no Brasil é uma epidemia de sofrimentos. E sofrimentos mal resolvidos. O psicanalista Christian Dunker, professor do Departamento de Psicologia da USP, disse em uma palestra no Colégio Santa Cruz, de São Paulo, que existem mais de dois mil tipos de sofrimentos listados na literatura da psiquiatria, mas alguns deles são recorrentes e produzem mais problemas, sobretudo entre os jovens. São as dores do tédio, da indiferença, do isolamento, do sentimento de inadequação física e social. Mas os dois campeões são a depressão e a ansiedade.
Alguns estudiosos do comportamento juvenil afirmam que agredir a si próprio “está na moda”. Não por razões de solidariedade com o sofrimento alheio, mas por necessidade de engajamento numa tendência em vigor nas redes sociais. Há relatos de jovens em escolas de Rio e São Paulo que se cortam e se mutilam, alguns gravemente, apenas para atender a esta tendência. Num passado bem recente, houve o fenômeno da “baleia azul”, um jogo que induzia ao suicídio em seu último estágio.
Origem: Fotos Wikipédia, a enciclopédia livre.
Para o professor Dunker, o que importa é entender que o sofrimento é uma doença contagiosa que pode ter diversas origens, inclusive nas redes sociais. O mundo ideal publicado nas páginas individuais ou de grupos no Facebook leva as pessoas a pensar, por que eu não consigo ser tão feliz quanto todos os outros. Claro que aquele mundo do Facebook é pura fantasia, mas fantasia que pode produzir dor em outros que nunca conseguem se enxergar tão exuberantes.
O sofrimento precisa ser entendido e discutido. É fundamental que a pessoa que está sofrendo por alguma razão fale sobre esse sofrimento e que haja gente ao seu redor para ouvir o seu relato e com ela interagir. Ocorre que nem sempre a pessoa que sofre encontra interlocutores para expor a sua dor. As pessoas de uma maneira geral não querem ouvir problemas de outros. Há também situações em que o indivíduo não consegue compartilhar o seu sofrimento porque não o identifica claramente ou não consegue explicá-lo.
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. Vincent van Gogh, que sofria de depressão e cometeu suicídio, pintou esse quadro em 1890, de um homem que emblematiza o desespero e a falta de esperança sentida na depressão.
E é nesse momento de depressão, ansiedade e solidão que germina o desejo de pôr fim à própria vida. Quando a pessoa despreza o sofrimento próprio ou de terceiros, não o reconhece, não o compartilha e não constrói uma narrativa sobre aquela dor, o sofrimento vira um sintoma. Sofrimento é um conflito; sintoma é um conflito congelado, o que é muito mais grave, segundo o professor. O passo seguinte ao sintoma, especialmente aquele sintoma prolongado e determinado, pode ser o suicídio.
É a etapa em que a pessoa resolve fazer alguma coisa com aquela dor. Não existe qualquer protocolo de ação eficiente para deter ou reduzir o número de atentados contra a própria vida. Na palestra do Colégio Santa Cruz, convocada exatamente para discutir saídas para a depressão que pode gerar o suicídio, o professor Christian Dunker deu uma pista. Ele citou a Guatemala, que, ao contrário do resto do mundo, mantém estável seu ranking de suicídios. Não ter índice crescente é vitória, e a resposta parece ser mesmo a única, falar e ouvir. Na Guatemala, em razão de velhas guerras civis e golpes de Estado, o governo criou grupos de contadores de história dentro da sua política de pacificação nacional.
Origem: Fotos Wikipédia, a enciclopédia livre. Catedral na cidade da Guatemala
Estes grupos, reunidos em escolas e igrejas de comunidades e bairros, conversam sobre a sua própria história. Os problemas do país, da cidade, do bairro, das famílias e das pessoas são discutidos coletivamente. Talvez o exemplo da Guatemala seja o caminho. Ritalina só não basta. Aliás, no Brasil, aumentou em 1.000% o uso de ritalina nos últimos dez anos.
Por: Ascânio Seleme é jornalista
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