CRÔNICA – 50 ANOS DO DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA: AFINAL AMOR PRETO CURA?

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Fonte foto –  Arquivo pessoal de Luciana D. Ramos 

Por Luciana Dornelles Ramos
Profa. Mestra e Doutoranda em Educação (UFRGS)

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Não sei vocês, quando penso em amor Preto, não penso no amor romântico, entre homens e mulheres, mas sim, no amor entre um povo, que historicamente foi separado e ensinado a se odiar.

Joyce Berth (2019) disse “Não me descobri negra, fui acusada de sê-lo”, porque é assim que sentimos quando a branquitude começa a relacionar a nossa pertença racial a tudo que é pejorativo. Na escola somos a negrinha, nariz de batata, cabelo bombril, cabelo ruim, a suja… isso falando de um racismo recreativo, aquele que humilha, envergonha, que faz nosso povo querer alisar ou raspar os cabelos, disfarçar seus traços, sentir vergonha em se declarar negro.

Fonte foto – Joyce Berth – https://www.facebook.com/FlupRJ/photos/painel-on-line-quilombo-de-afetos-joice-berth-%C3%A9-arquiteta-e-urbanista-pesquisado/3090461054375024

Ainda na escola podemos falar de um racismo institucional, que serve a colonialidade, que conta todas as histórias a partir da narrativa do colonizador, deixando de lado, estereotipada, ocultando ou mentindo sobre a história dos povos negros e indígenas, reduzindo esses povos a selvagens, sem capacidade intelectual, falando sobre um “descobrimento do Brasil” quando povos indígenas já viviam aqui, reduzindo a história do povo negro a escravização, sem contar sobre toda a potência da história africana, sobre todo o legado que suas civilizações deixaram para a ciência, filosofia, engenharia, física e tantas influências na nossa sociedade brasileira.

Nas novelas somos o mordomo, a empregada (nada contra essas profissões, mas contra a branquitude nos colocar sempre em um lugar de subserviência), somos o traficante, o ladrão, a amante, o vilão. Nos filmes , desenhos e nos livros as princesas são brancas, os heróis são brancos, os mocinhos e mocinhas são brancos. Isso aos poucos está mudando, mas por todos esses anos ajudou a construir um imaginário social do lugar que pessoas brancas e negras ocupam na sociedade.

Digo isso tudo para mostrar que desde pequenos aprendemos a desprezar quem somos, a nos sentirmos feios, inferiores, a almejar um padrão de branquitude do qual nunca faremos parte. E aí que o amor preto me toca fundo o coração.

Fonte foto –  Arquivo pessoal de Luciana D. Ramos 

Nós somos o sonho dos nossos ancestrais…

Deles que lutaram pela liberdade, mesmo sabendo que talvez fosse uma liberdade que somente seus filhos, netos… bisnetos ou tataranetos pudessem viver. Deles que enfrentaram escolas e universidades que diziam o tempo todo que aqueles não eram seus lugares, para falar sobre nossos corpos negros, contar nossas histórias a partir de nossas próprias narrativas, abrir portas para que mais dos nossos pudessem estar nesses espaços.

Fonte foto –  Arquivo pessoal de Luciana D. Ramos.

Deles que criaram espaços não formais de educação para que pudéssemos compreender a sociedade, conhecer nossa história, nossa pertença, nossa potência, que se organizaram em um movimento negro que até hoje é o nosso melhor professor.

Deles que a partir de muita pressão política criaram a lei 10.639/03, para que as escolas sejam obrigadas a incluir nos seus currículos o ensino sobre a história e a cultura do povo africano e afro-brasileiro, como reparação, valorização e reconhecimento do povo negro como agente ativo e com papel fundamental na construção da sociedade brasileira, afetando diretamente a autoestima de alunos negros e seu acesso e permanência nas instituições de ensino.

Fonte foto –  Arquivo pessoal de Luciana D. Ramos – Professora Doutora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva.

Há 50 anos celebramos o 20 de novembro, dia da consciência negra, que faz com que o país se mobilize o mês inteiro falando sobre nossa cultura, nossas heranças, nossos heróis, nossas histórias de sorrisos, de choros, de lutas, derrotas, vitórias, de descobertas, de dança, de ginga, de tambor, de axé, de negritude! Homens negros e mulheres negras, que tive o prazer de conhecer e me inspiram diariamente, e também aqueles que não conheci, mas que graças a sua herança e resistência, hoje posso saber de suas lutas, do seu amor.

E existe amor maior que esse?

O amor por um próximo que nem conhecemos, mas que desejamos que viva em uma sociedade melhor? Em um futuro melhor?

Fonte foto –  Arquivo pessoal de Luciana D. Ramos.

Esse para mim é o “Amor Preto”, e ele que me permitiu olhar para mim com mais carinho, sentir orgulho pela minha cor da pele, meus traços, minha identidade, minhas raízes. Me olhando com mais carinho, aprendi a olhar meus iguais com mais carinho também, me cerquei de pessoas negras que se afirmam positivamente, e hoje lutam comigo para que nossos filhos, netos, bisnetos… tataranetos sejam ainda mais livres, e vivam em uma sociedade melhor do que a que vivemos. Lutamos para um dia nos tornarmos bons ancestrais.

Fonte foto –  Wikipédia, a enciclopédia livre.

Por muito tempo vivi com uma dor, uma solidão, sem saber quem eu era, de onde vim, ao que pertenço. O movimento negro me ensinou sobre uma história que a escola não me contou. Onde havia dor, o povo Preto me ensinou sobre amor. Esse amor é preto… e amor Preto, cura.

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Por Luciana Dornelles Ramos
Profa. Mestra e Doutoranda em Educação (UFRGS)

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BIOGRAFIA ****** Sérgio Lima, ex-jogador profissional de futebol, natural de Campos dos Goytacazes, começou sua carreira no Americano onde jogou em todas as categorias e foi campeão Estadual no ano de 1969. Em 1970, transferiu-se para o juvenil do América do Rio, tornando-se artilheiro da Taça Guanabara de 1973 e vice-artilheiro brasileiro Carioca de 1973. Em 1974, sua história foi ilustrada luxuosamente com o Internacional de Porto Alegre, Hexa Campeão Gaúcho invicto. Em 1975, formou um excelente time do Guarani de Campinas, com grandes jogadores, Ziza, Amaral,Renato, Miranda, Davi, Alexandre Bueno, Edinaldo, Erb Rocha, Sergio Gomes, Hamilton, Rocha. que foi base do Campeão em 1978. Em 1976, transferiu-se para o futebol mexicano onde ficou por 8 anos: Club Jalísco, e Atlas Fútbol Club ambos da cidade de Guadalajara, Morélia da cidade de Morélia, Michoacan e Union de Curtidores da cidade de Leon, Guanajuato. Em 1984, retornou ao Brasil para o Botafogo do Rio. ****** Em 1985 foi contratado pelo Cabofriense, da cidade de Cabo Frio,estado do Rio, onde encerrou sua carreira. Presente em Guadalajara na Copa do Mundo 1986 no México, trabalhou como comentarista esportivo na rádio local chamada "Canal 58" de Guadalajara. Após a copa do Mundo de 1986, começou sua trajetória de 30 anos, nos Estados Unidos da América,, onde foi convidado pela Universidade de Houston Texas, através do seu responsável o excelentíssimo Professor Franco para participar como instrutor do “Cugar Soccer Summer Camp” durante duas semanas. Na sequência, depois de várias participações, em diferentes Soccer Camps no Texas, fundou, oficializou e legalizou a Brazilian Soccer Academy com o apoio espetacular do grande amigo Skip Belt. Com experiência de muitos anos dentro do campo, passou conhecimento e os fundamentos básicos do futebol do Brasil para um número incontável de jovens americanos. ****** Convidado pelo consulado Mexicano, idealizou e apresentou o projeto Houston Soccer After School Program para City of Houston Park and Recreation em 1994, para benefício de crianças e jovens entre 6 a 17 anos. Isso ocorreu na área metropolitana da cidade, onde concentrava a grande maioria de crianças e jovens negros e mexicanos, na época estavam com extremo e grande problema social que os envolvia com drogas e as abomináveis gangues. Desafio aceito, e o programa foi desenhado, aproveitando a infraestrutura dos Parks da cidade. O passo a passo foi dividido em três fases básicas: 1 - Criou-se liga em cada Park, onde havia jogos entre eles. 2 – Todos os meses havia Torneios entre todos os Parks. 3 - Criou-se seleções para jogarem contra jovens das outros áreas, e diferentes estados, sempre cuidando com os mínimos detalhes dos dispositivos e ensinamentos básicos do respeitado futebol do Brasil, para atrair e motivar a todos. O requisito principal era estar e manter boas notas e presença na escola, para desfrutar dos benefícios, recebendo gratuitamente todos os materiais de primeira linha doados por um conhecido patrocinador. Finalmente, aos 17 anos tinham a oportunidade de receber uma bolsa de estudos para ingressar em uma universidade americana. Foi apresentado e aprovado e Sérgio se transformou em funcionário público da cidade de Houston por 17 anos, até a sua aposentadoria. Muitíssimos jovens foram beneficiados pelo programa mudando radicalmente suas vidas, as drogas e gangues desapareceram. Sérgio fez o curso de treinador da Federação Americana de Futebol, recebendo a "Licença National B' e assumiu como Coach principal da South Texas Soccer Select Team Open Age From 1994 to 1996, tornando-se o primeiro treinador brasileiro e negro "Afrodescendente" a dirigir a Seleção do Sul do Estado do Texas. ****** No ano de 1992, Fundou o Jornal Vida Brasil Texas, tornou-se editor, onde ficou por 28 anos, sendo 24 anos impressos e os últimos 4 anos digital em português. Fundou em 2004, a Revista Brazilian Texas Magazine, é seu Editor . A revista até 2015 foi impressa, em 2016, passou a publicação digital em inglês. ****** 1 - Compositor, teve participação do CD Brasil Forever 1997 da Banda brasileira no criada no Texas em 1993 com finalidade de promover a cultura do Brasil. Banda “Atravessados de Houston” – Texas, com tiragem de 10 mil CDs. Sérgio Lima teve a participação com 10 músicas 8 autorais e mais duas com parcerias. 2 - Compositor da música “I Love Rio”, escrita e inglês em homenagem ao Rio de Janeiro, com a luxuosa interpretação da excelente Elicia Oliveira em ingrês (Está disponível no YouTube). https://www.youtube.com/watch?v=l39hfwOkyYU&t=18s ****** Representou a comunidade brasileira do Texas na I Conferência “Brasileiros no Mundo”, realizada em maio de 2008, com uma extrema característica acadêmica. ****** A II Conferência “Brasileiros no Mundo”, realizada em outubro 2009, se desenvolveu com uma acentuada conotação política, tornando, em certos momentos, o diálogo tenso, desconfortável e, até certo ponto, cansativo, devido à falta de elasticidade de algumas lideranças, acostumadas, creio, a pontuar e determinar o rumo das conversas e decisões, em suas áreas ou comunidades no Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, de iniciativa da Fundação Alexandre de Gusmão – FUNAG, órgão ligado ao Ministério das Relações Exteriores – MRE. ****** Sérgio criou o espaço Brasil especial na Biblioteca central da cidade de Houston e conseguiu doações de livros de algumas instituições das comunidades brasileiras de outros estados americanos para compor o espaço. Recebeu o Prêmio Brazilian International Press Ward, por 3 vezes, em reconhecimento pelos trabalhos como editor do Jornal Vida Brasil Texas em português, e revista Brazilian Texas Magazine em inglês – 2011. ****** ORIGINAL ARTICLE “AFRO DECENDENTES NA MÍDIA BRASILEIRA”. You are a winner for the 15th Annual Brazilian International PRESS AWARDS. Your outstanding performance and contribution for the Brazilian Culture was recognized by the Media and Cultural Leaders of the Brazilian Community in the United States. Join us for the 15th celebration of the Brazilian Cultural presence in the U.S. The Award Ceremony will be held at the Cinema Paradiso • Fort Lauderdale May 3rd 2012.

2 COMENTÁRIOS

  1. Luciana conseguiu traduzir nesta crônica diversas fases de nossas vidas negras. Nós que sofremos o tempo todo com o silenciamento e tentativas de invisibilização. Mas que acima de tudo resistimos, lutando por dias melhores para os nossos descendentes. Gratidão a nossos ancestrais! Obrigado Lú!

  2. Obrigada pelo feedback querido! Seguimos na luta por um mundo melhor para os nossos próximos! 🥰

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