Por – Valter Aleixo
O parque de diversão do meu pai tinha se instalado na pequena cidade de Miracema do Norte de Goiás, que fica a oitocentos e cinquenta quilômetros de Goiânia. Hoje em dia pertence ao Estado do Tocantins, com o nome de Miracema do Tocantins.
Eu estava de férias escolares em Goiânia e, como sempre fazia nas férias, ia para onde estivesse o parque e ficava com eles até o reinício das aulas.
O parque de diversão do meu pai contava com várias atrações: tinha barracas de jogos de argola, onde as pessoas tentavam ‘laçar’ os prêmios, que variavam entre cigarros, isqueiros, relógios e refrigerantes; tinha tiro ao alvo; uma ‘montanha russa’ giratória, que era empurrada pelos funcionários, que às vezes ficava tão lotada que eu achava que ia quebrar. Tinha também balanços de canoinhas pintadas de diferentes cores, que eram, após o empurrão inicial do funcionário, propulsadas através de duas cordas que as pessoas puxavam de cada lado.
A cidade de Miracema não tinha luz elétrica, mas o parque do meu pai contava com um enorme gerador. À noite o parque ficava todo iluminado e os moradores da cidade vinham se divertir com seus familiares. Aquilo era o maior atrativo da cidade.
Rua principal de Miracema do Norte (TO) – 1953
Fonte – https://cidades.ibge.gov.br/brasil/to/miracema-do-tocantins/historico
Antes do expediente, meu pai alugava um carro-pipa para aguar a área do parque, pois o grande número de pessoas que ali ia, levantava muita poeira. Além disso, as ruas da cidade eram de chão batido e, embora poucos, os carros da cidade, contribuíam para as nuvens de poeira que pairavam no centro da cidade.
Numa certa tarde de domingo, quando o parquinho tinha sido aberto para o matinê, um dos funcionários do meu pai veio reclamar para ele que dois rapazes que estavam nas canoinhas, não queriam descer do brinquedo; que continuavam puxando as cordas e, que, quando ele colocava a tábua com borracha para frear as canoinhas, os rapazes davam um sacolejo para os lados e não encostavam no freio, voltando a subir. O funcionário também explicou que tinham outras pessoas esperando.
Meu pai escutando aquilo, foi mudando de cor. Quando o rapaz terminou de contar o que estava acontecendo, meu pai já estava vermelho feito pimenta malagueta. Saiu da barraca, cuspindo fogo; agarrou um pedaço de tábua que encontrou no caminho e foi direto para as canoinhas.
– Num vão parar não, né? – foi a única coisa que perguntou.
Quando a canoinha desceu e os rapazes, que antes morriam de gargalhadas, dando os sacolejos para os lados, levaram a primeira bordoada nas costas, aplicadas por meu pai. Na próxima descida, outra bordoada. E de novo…
Fiquei assustado com a violência dos golpes. Achei que meu pai ia quebrar aqueles rapazes no meio! Vi o terror se instalar nos olhos deles e ouvi as súplicas para que meu pai se acalmasse; que iam descer.
O funcionário do meu pai colocou o tábua de frear no lugar, mas mesmo antes que a canoinha parasse completamente, os rapazes pularam dela, com meu pai ainda tentando dar-lhes bordoadas.
Mesmo assustados, os rapazes saíram correndo dizendo que aquilo não ia ficar daquele jeito; que meu pai ia ter com os tios deles, e desapareceram na esquina.
– Chamem quem vocês quiser, seus vagabundo! Num tenho medo de filho da puta, nenhum – disse meu pai, desafiador.
Quando ouvi aquilo, era eu que agora estava assustado. Miracema do Norte era uma cidade onde as pessoas, quando insultadas ou agredidas, não pensavam duas vezes, antes de matar alguém. Assim era em muitas cidades do interior de Goiás – e de outras partes do Brasil.
Praça principal de Miracema do Norte (TO) – 1953
Fonte – https://cidades.ibge.gov.br/brasil/to/miracema-do-tocantins/historico
“Meu pai, tá frito!”, pensei. “Ia ter com os tios!”; tios! – tinha que ser pelo menos dois deles, imaginei. Imaginei, também, que aquelas poderiam ser as férias mais curtas que eu já tinha tido.
Lembrei-me que o meu pai sempre dizia que “pago para não entrar numa briga, mas uma vez dentro, pago para não sair.”
E comecei a rezar…
Dali meia hora, chegaram dois homens altos e fortes, com chapéu na cabeça.
– Quem é o proprietário do parque? – perguntou um deles a um dos funcionários do meu pai.
Congelei. Senti que estava prestes a presenciar um dos momentos mais desagradáveis da minha vida… e continuei rezando.
Foto – Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
– Sou eu, por que? – respondeu meu pai, esticando o pescoço para fora da barraca, num tom de briga; pronto para a batalha.
Diante daqueles dois senhores, meu pai me pareceu mais nanico que de costume.
Fechei os olhos e apenas fiquei imaginando no que poderia acontecer…
– Viemos aqui nos desculpar pelo comportamento dos nossos sobrinhos. Ficamos sabendo que eles não respeitaram as normas do parque, que o senhor os puniu e gostaríamos de agradecê-lo por isso – explicou um dos homens, na maior calma possível.
Não podia acreditar no que estava ouvindo! Vieram “agradecer meu pai pelas cacetadas que ele deu em seus sobrinhos!” Eu só podia estar sonhando! Aquilo era a última coisa que eu esperava daquele episódio. Mesmo assim, senti um enorme alívio invadindo o meu corpo.
Fiquei tão leve, que nem escutei a resposta do meu pai.
Por Valter Aleixo